Os levantes na América Latina, exemplo para derrotar a política neoliberal no Brasil


Os levantes populares em alguns países como no Chile, numa surpreendente expressão popular unificada que enterra de vez a Constituição de Pinochet, abrindo caminho para uma nova era de derrota da direita neoliberal; a eleição do MAS e do presidente Arce na Bolívia, respaldada pela participação contundente dos movimentos sociais e sindical organizados, derrotando o golpe que depôs Evo Morales; as greves na Colômbia no final de 2019 organizadas por um comitê nacional de sindicatos de trabalhadores, e a rebeldia das organizações indígenas, camponesas, estudantis, contra os incessantes assassinatos de lideranças opositoras e a supressão dos direitos de todas as categorias sociais; a resistência dos argentinos que trouxe de volta o governo popular com Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, detendo o governo Macri e  o desmonte total do Estado argentino; todos esses levantes tiveram em comum a necessidade de colocar um basta nas políticas neoliberais, sustentadas no novo Plano Condor e no  “lawfare”, promovidos pelos EUA e pelas finanças internacionais.

O sucesso alcançado por estes movimentos, junto ao que pode ocorrer nas próximas eleições no Equador e Colômbia, terá muito em breve seus reflexos no Brasil, estimulando uma reação social e de estímulo à esquerda brasileira para unir-se de vez e colocar um urgente freio na política criminosa de Bolsonaro/Guedes de destruição do Estado. Os resultados eleitorais e as reações sociais nos EUA também terão efeitos e poderão produzir rearranjos interiores e disputas no campo burguês no Brasil; a ser analisados a curto prazo.

Santiago de Chile

A cada dia, a entrega total da nossa soberania, das riquezas naturais e dos direitos dos trabalhadores, reduzidos à fome e ao genocídio em massa pela ausência de política de Estado frente à Pandemia, acende o alarme vermelho. A complicação do processo político é que Bolsonaro e Guedes têm o aval do presidente da Câmara de Deputados e da maioria do Congresso, enquanto no STF e no Judiciário em geral não se desbloqueia a decisão de cumprir com a Constituição e sequer de dar andamento à suspensão de Moro.

É preciso reagir ao desmonte do Estado

Lógico que o desmonte do estado brasileiro vem desde Collor de Melo, em parte com Itamar Franco, com FHC e Temer. Foram realizadas privatizações criminosas como a abertura das ações da Petrobrás na Bolsa de Nova Iorque, a privatização da CVRD, a privatização da Embraer, das Telecomunicações, etc. Porém, a correlação de forças na época de FHC impedia que o processo de privatizações fosse acelerado como gostariam as elites nacionais e internacionais. Além disso, Lula foi eleito, freando em parte este processo privatizante.  

Atualmente, o processo de desmonte do Estado brasileiro toma um rumo arrasador, quando se faz, mais do que nunca, necessário um Estado forte para o desenvolvimento do país na defesa da soberania nacional e da integração internacional. É um momento de grande embate em que as maiores economias do mundo travam disputas, com objetivos diferentes: por um lado um sistema concentrador, privatizante e explorador (das Finanças internacionais e do complexo militar dos EUA) e, por outro, um sistema desenvolvimentista e integrador, com fortaleza estatal (como o da China e Rússia).  Um embate gigantesco de dois modelos de sistema em torno do domínio tecnológico nas mais variadas áreas do conhecimento, como no domínio do 5G.

Há uma gigantesca disputa pelos mercados; a exemplo, o projeto salutar em curso dos chineses com a Rota da Seda e, por outro lado, o protecionismo imperialista norte americano, mantendo mais de 800 bases militares mundo afora junto à Otan. Há uma disputa enorme pelos minerais essenciais e terras agricultáveis. Há uma disputa pelo poder da moeda, com o dólar ainda hegemônico, mas uma cesta de moedas de outros países disputando esta hegemonia.

O governo Bolsonaro faz um movimento contrário ao do mundo. Vende as nossas empresas estatais para o capital internacional, e muitas vezes, para empresas estatais estrangeiras. Enquanto os EUA e mais vigorosamente, a China, Rússia, o Irã e os países asiáticos realizam consórcios para investirem somas astronômicas no desenvolvimento tecnológico (incluindo a descoberta e a fabricação de vacinas anti-covid19), Bolsonaro destrói o pouco das pesquisas pré-conquistadas nas universidades públicas. Não há uma política industrial além da busca da competitividade, retirando direitos trabalhistas e direitos sociais. Destrói-se um dos mais importantes patrimônios de uma nação, o mercado interno, aumentando assustadoramente a taxa de desemprego, exacerbado com a política sanitária do descaso frente à Pandemia.

Com mais de 160 mil mortos, é preciso pôr fim a  esta tragédia. Mais que uma tragédia, é um genocídio como reiterado por Lula e todas as forças opositoras. Enquanto isso, setores da burguesia nacional mais poderosos, optaram pelo rentismo financeiro e pelo envio de somas estratosféricas para o exterior de forma legal, e na maior parte, de forma ilegal. O capital financeiro consolidou-se definitivamente como poder hegemônico no país. E agora, pretende jogar a pá de cal com a privatização do Banco Central.  

Não há que ter ilusão em relação às disputas internas dentro do governo Bolsonaro. Enquanto especula-se sobre se podemos ou não aproveitar das fraturas internas do atual governo, o programa de entrega da nação brasileira segue em curso.

Não é suficiente, e cai no vazio, qualquer tentativa da oposição no chamado ao combate à fome, com o intuito de mobilizar a população. Evidentemente, nenhum ser humano é contra um chamado ao combate à fome, mas os problemas sociais são estruturais, e a fome só será combatida com profundas transformações sociais no país. Com o atual modelo neoliberal, a fome vai se aprofundar, mesmo com uma campanha contra a fome de grandes proporções. É certo que a fome não pode esperar. Portanto, os riscos de uma explosão social não são distantes. Veja-se o Chile. Apesar da diversidade de partidos progressistas e de esquerda, a reação das massas é unânime e explosiva. Apesar da resistência histórica do povo chileno, e, por outro lado, a ausência de uma consciência social e tradição de rebeldia popular organizada no Brasil, há sempre um líder de massas como Lula e a chance de se estabelecer uma Frente Ampla para derrotar Bolsonaro e seu governo, e construir um movimento por um projeto econômico e social que inclua a Reconstrução do Brasil como propõe o PT. Mas, uma reconstrução que vá muito mais adiante, no enfrentamento ao poder dos Bancos e na capacidade de re-estatizar setores estratégicos da economia tendo em vista a defesa da soberania nacional. Entretanto, não contribui com este projeto para o Brasil a aprovação do PL 3877, de autoria do Senador Rogério Carvalho (SE), líder do PT no Senado, que obriga o Banco Central a remunerar sobra de caixa de Bancos; e nem a aprovação do PLP 19/2019,  substitutivo do senador Telmário Mota (Pros-RR), que visa assegurar autonomia ao Banco Central.

O encontro político entre Lula e Ciro Gomes é um sinal importante para viabilizar uma Frente Ampla que tenha como norte a defesa da soberania nacional, e tenha capacidade de enfrentar o real poder no país, o setor financeiro e sua ramificação com a mídia, a lavagem de dinheiro, a remessa de lucros ilegais para fora do país. Não há solução para o Brasil, como para nenhum outro país, se o capital financeiro continuar a ditar as regras da economia mundial, como têm denunciado o Papa Francisco e o ex-senador Roberto Requião.

Neste percurso, não se pode ignorar a campanha pelo impeachment de Bolsonaro como fez recentemente, o ex-presidente Lula, mesmo sabendo das dificuldades congressuais. Buscar a formação de uma Frente Ampla para derrotar o bolsonarismo e sua política de destruição do Estado, do meio ambiente, das universidades, da indústria nacional, da saúde do povo, do nosso parque tecnológico, dos direitos dos trabalhadores. É uma questão de extrema urgência e necessidade, mesmo enfrentando a capacidade de Bolsonaro recompor suas forças no Congresso Nacional, dificultando a aprovação do impeachment. A situação é tão dramática que é preciso contar até mesmo com o imponderável, e que a onda de revoltas populares da América Latina atinja as massas brasileiras.  

É preciso dar este sinal ao povo brasileiro de decisão de por um Basta!, romper a passividade e mudar os rumos do país. Não há outra saída, frente às criminosas políticas assumidas por Bolsonaro. O chamado tem que assumir um tom dramático, um chamado ao movimento sindical, aos camponeses, aos pequenos e médios empresários que ainda dependem da produção para viverem, aos trabalhadores desempregados e empregados, aos governadores de oposição, ou até mesmo de governadores que não vêm perspectivas neste desgoverno, pois do contrário, frente à crise global e ao clima de guerra mundial, a nação e o povo brasileiro correm sérios riscos de se desintegrar como nação. Não basta esperar que um governo progressista venha a ganhar as eleições em 2022! O futuro da nação já está sendo comprometido por décadas.

Poderão reverter esta situação somente medidas de transformação social profunda, que apontem à perspectiva futura  de um Governo de Popular que cimentem as bases para uma nova Assembleia Constituinte. São urgentes a tarefas para a revogação imediata de todos os dispositivos impostos pelo regime bolsonazista, entre eles o teto dos gastos, a Reforma Previdenciária, a Reforma Trabalhista e todas as leis que sepultaram a Constituição de 88. É preciso uma constituição que cubra as gritantes lacunas mantidas na regulamentação de leis fundamentais como o sistema de comunicação e mídia, ou as garantias absurdas ao sistema financeiro, em detrimento das conquistas sociais escritas no papel mas jamais aplicadas; a garantia do exercício real do poder pelo povo por meio da participação e do voto impresso e obrigatório; a profunda reforma do poder judiciário que se transformou numa instituição política e cúmplice das maiores atrocidades das elites nacionais; a revogação de todas as leis e regulamentos anti-trabalhistas aprovados nesta era funesta, com  a retomada das garantias para o trabalho contra o capital.

Mas, principalmente, a reconquista da soberania nacional, com a reestatização de todas as empresas entregues às multinacionais e a setores privados, o desconhecimento dos contratos lesivos ao interesse da Pátria, a derrubada da “independência” do Banco Central em vias de ser aprovada, a retomada de uma política exterior independente por meio da reconstrução da UNASUR e da CELAC, a plena integração aos BRICS,  e a forte intervenção do Estado na promoção do desenvolvimento econômico com distribuição de renda, taxando as grandes fortunas e controlando o fluxo cambial e monetário em favor do crescimento da Nação.

Comitê Editorial

3/11/2020

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