O rumo que o presidente Lula tem mantido está correto, dadas as circunstâncias e correlação de forças, desfavoráveis do ponto de vista da composição do Congresso, da mídia hegemônica (que continua a ser a fortaleza do neoliberalismo), das instituições financeiras, justiça, etc. Desfavorável a uma agenda mais radical, de esquerda. Mas também é preciso enxergar as brechas, as debilidades do sistema capitalista onde o caso das Americanas é a ponta do iceberg, cujo corpo maior é a crise internacional com as consequências desastrosas da guerra para o unipolarismo capitalista.
Nesse intervalo ressurge um Lula que sabe onde quer chegar, batendo de frente em brechas que os capitalistas não podem considerar “comunistas”, como retomar as obras, o Bolsa família potencializado, Minha casa minha vida, financiamentos educacionais, rompendo o famigerado “teto de gastos”, dá a impressão que a burguesia perdeu o controle, pois se foi fácil a burguesia suprimir estes programas com Bolsonaro, Lula está driblando tudo isso e sem parar, vai de norte a sul a retomar os projetos anteriores que deram um enorme impulso ao país. Haveria que quantificar os recursos, para comparar com os governos anteriores do PT, mas as indicações são claras, de que ele vai forçar a barra do orçamento, atropelar os juros altos, e pressionar o Congresso e o próprio Banco Central para não atrapalhar mais do que já atrapalharam.
O discurso de “corrupção” quase desapareceu, o bordão agora é a “gastança”. E a “sacralidade” do Banco Central independente. Embora não seja uma agenda popular, o discurso cola bem menos. Se é verdade que o povão não sabe nada de Celic, sabe muito bem o que é se endividar, desde as casas Bahia até no armazém do seu Mané. Nunca antes os pobres recorreram tanto aos agiotas. Então, de certa maneira, o povo sabe o conceito de “juros altos”. E vê o Lula bater de frente. As elites dizem que é algo etéreo, intocável, um dogma da Inquisição, “juros altos para combater inflação”. Mas não cola mais. O povo não liga, só quer a redução dos juros e dinheiro no bolso, aumentos salariais.
Lula parece Garrincha, dribla por todos os lados, aparece onde a burguesia menos esperava, como ir até as áreas Yanomamis, desencadear uma megaoperação de limpeza de garimpos ilegais – envolvendo todas as Forças Armadas na prática, dando o que fazer a esta gente que estava inebriada pelas prendas que lhes dava o bolsonarismo. Lula resolve a questão militar na prática: defendam as áreas indígenas. Não dá respiro. Vendo a operação militar e anexos, os ministros indo todo dia para Roraima, enquanto Lula sai de lá, vai aos EUA, agora vai à China, daqui a pouco volta e retorna a trabalhar na integração da América Latina, é um demônio!
Os ministros estão de língua de fora, de tanto trabalho! E haja trabalho! Ninguém se detém a chorar por falta de recursos, as polêmicas com Haddad e Mercadante ficam pequenas, Lula coloca na mesa deles o problema e diz: “solucionem”! Mas… “Não tem mas, nem tititi”. E corre para viver e solucionar a tragédia de São Sebastião, esta bela cidade litorânea arrasada pelas chuvas que causou a morte de mais de 45 moradores, 40 que continuam embaixo dos escombros, 1730 pessoas desalojadas e outras 766 desabrigadas, sem água potável, sem energia, sem alimentos e sem rumo! Calamidade que tem nome: desigualdade social e descaso das autoridades com a população mais vulnerável economicamente e é obrigada a construir suas moradias nas encostas dos morros, tendo como opção contar com a própria sorte para sobreviver. Lula mais uma vez mostra sua sensibilidade e prioridade social ao deixar para segundo plano os festejos do emblemático carnaval do fim de Bolsonaro.
Lula acaba de mandar seus ministros para o Rio Grande do Sul, para socorrer as populações com ajuda pela seca prolongada, protegendo os pequenos agricultores e a população vulnerável. Sem parar! O povo não pode esperar, parece ser a máxima de Lula, onde quer que vá. Por isso a mídia hegemônica se irrita: “ainda está em campanha!”, “melhor que governe!”…. Ora bolas, isso não é governar?
E que se preparem, que lá vêm os BRICS, lá vem a China. Lula vai assinar acordos, vai turbinar. E nem começou ainda a trabalhar de cheio com Colômbia, Venezuela, México, Argentina. Logo vamos assistir ao renascimento real da Celac e da Unasul. Não perdem por esperar.
Não é seguro que as elites possam enredar e enrolar o Lula, nem mesmo com este Congresso conservador, Lira e todos eles. Não há dúvidas de que vão golpear e sabotar, mas tudo indica que a represa está por ruir, com deserções das filas bolsonaristas, adequação do centrão ao andar da carruagem, com a visão oportunista e canalha de sempre, mas criando menos problemas para o Lula e seu governo.
Lula não está disposto a renunciar, enganar, converter-se ao “paz e amor” de conciliação com o neoliberalismo. Não é anticapitalista, mas dá chibatadas e põe limites ao “mercado” para que o povo retome suas conquistas. Não é anticapitalista, mas acha que o Estado deve ser o indutor. E o controlador, o motor, o instrumento da justiça social. É preciso pedir mais? É um “chinês” sem ter um Partido Comunista e os instrumentos que eles têm á disposição, sistema de controle, Bancos, estatais poderosas. Mas procura o mesmo efeito. Pelos manuais, será derrotado, pois o Capital não renuncia ao poder, mas Lula tem rasgado os “manuais”, e testado os limites do capitalismo. O que virá, não sabemos, o essencial é que as massas populares voltem a ser protagonistas, e aí mora o maior desafio, para não deixar o comandante sem tropas.
É o processo que pode conduzir às mudanças da correlação de forças. Não é um momento estático. Lula é um líder mundial, incontestavelmente, e com isso traz ao Brasil a força do mundo, mesmo sabendo que as burguesias europeias são hipocritamente “democráticas”, Lula tira proveito delas, promovendo acordos, e colocando-as em saia justa, ao dizer: “façam a paz na Ucrânia”. Diz isso na cara da maior peste agressiva do mundo, Biden, que tem que sorrir com a cara de demente que tem. “Tá bom, os russos erraram, mas agora façam a paz, diz Lula”. Não diz “os russos têm que sair” nem diz “vou mandar munição para Zelensky”. É o contrário do que tem feito a burguesia europeia, a coloca em cheque, faz com que passe vergonha, além das brechas que a frente capitalista e otanista tem mostrado.
Por menos que Lula possa decidir na guerra da Ucrânia, vai manter a pressão e tirar vantagem destas contradições, sem alinhar-se com o lado errado e sem aceitar condicionamentos. “Pragmatismo” é uma palavra limitada, pois no fundo, é organização da oposição ao mundo unipolar, que é o que Lula está fazendo, sem criar demasiados inimigos, como consegue falar com a embaixadora da Ucrânia e com a a Rússia ao mesmo tempo.
Merece atenção o último discurso do Gustavo Petro, presidente da Colômbia, em disputa no Congresso, pressionando-o a favor das suas reformas, de um sistema universal de saúde, de retomar as conquistas trabalhistas, todas dizimadas pelo neoliberalismo fascista dos regimes anteriores. Pois bem, é muito semelhante ao discurso de Lula, e vem com uma força impressionante, num país dez vezes mais complicado e imbricado com o imperialismo e com o narcotráfico como a Colômbia.
Se estes líderes entrarem em sintonia e conseguirem romper as fronteiras e aliar-se, como já faz Petro com a Venezuela, cria-se uma dinâmica imparável. E mais ainda, se o movimento contra a proscrição de Cristina Kirchner na Argentina crescer. O Peru está em fibrilação, não vai ficar assim, a ditadura não vai se consolidar, o povo não para. Pedro Castillo chama desde a prisão à rebelião e se proclama sempre presidente. Se conseguiram contê-lo quando estava no governo, agora ele rompeu com o compromisso de moderação e pequenos passos: é um líder que aprende, e será respeitado pelo povo quando o libertem, pois terão que libertá-lo algum dia. Lula tem tudo isso a seu favor.
Comitê de Redação
Posadistashoje
21/02/2023
Crédito foto: Poder360