O calcanhar de Aquiles dos EUA: dólar, sistema eleitoral/parlamento e o setor militar


Editorial:

O calcanhar de Aquiles dos EUA: dólar, sistema eleitoral/parlamento e o setor militar

O Acordo de Breton Woods foi uma verdadeira arma financeira utilizada pelos EUA. Os EUA podem financiar seu duplo déficit e pagar por suas despesas excessivas imprimindo títulos do Tesouro. O Tesouro dos EUA só precisa pagar o custo do papel. Em troca da entrega de pedaços de papel, o restante do mundo envia dinheiro real (conquistado com esforço) para comprar os títulos do Tesouro dos EUA. E por que o restante do mundo compra esses pedaços de papel (dólares americanos)? Um motivo fundamental é que a maior parte do comércio mundial é realizada em dólares americanos. Sendo assim, quando a China compra carne bovina argentina, paga à Argentina com dólares americanos. Quando a Argentina compra telefones celulares, paga com dólares americanos. Isto tornou o dólar americano indispensável à economia global. Por conseguinte, ele funciona como uma moeda de reserva global.

Mas isto é um dos problemas dos EUA, pois o mundo começa a transacionar seus negócios com suas próprias moedas. E estão se desfazendo do Títulos do Tesouro do EUA. Nos últimos sete meses, o governo de Pequim já vendeu 10% de sua carteira total de títulos da dívida pública americana (Treasury), cerca de US$ 113 bilhões, mas ainda mantém títulos no valor de US$ 967,8 bilhões. Desde março de 2018, a Rússia começou a se desfazer com rapidez dos títulos da dívida pública americana, derrubando a participação russa para US$ 14,9 bilhões.

Os EUA não conseguiram sair da crise financeira provocada por eles mesmo em 2008. Na sequência vários Bancos do sistema financeiro capitalista ocidental sucumbiram pela corrupção e má gestão. O mundo percebeu que o vínculo com o dólar é um perigo, pois os EUA arbitrariamente se sentem no direito de confiscar reservas de países que ele considera inimigo. Se sentem no direito de aplicar sanções contra empresas e Bancos que transacionem com países bloqueados pelos EUA.

No campo militar, os gastos da defesa dos EUA não são decididos como resultado de uma estratégia nacional racional abrangente para avaliar de quais sistemas de armas os Estado Unidos precisariam em seu atual ambiente geopolítico. Em vez disto as aquisições são resultado de um complexo sistema de lobby de empreiteiras de defesa que sabidamente alocaram instalações fabris em todos os distritos congressionais do EUA. Desta forma, os senadores e deputados que querem preservar empregos em seus distritos eleitorais decidem quais os sistemas de armas serão produzidos para as Forças Armadas dos EUA. Enquanto isto, na Rússia, o setor militar é estatal, e tem demonstrado sua superioridade bélica como no caso do conflito da Ucrânia, superior inclusive aos armamentos da OTAN. Desde muito, a Rússia tem demonstrado sua superioridade militar e tecnológica.

As decisões do Congresso dos EUA não são determinadas pelos eleitores, mas pelos financiadores. Como resultado, os Estados Unidos estão se tornando, em termos fundamentais, cada vez menos uma democracia em que todos os cidadãos têm a mesma voz. Em vez disso, o país parece cada vez mais uma plutocracia em que algumas pessoas ricas têm um poder desproporcionalmente maior.

O cientista político Jeffrey Winters oferece um exemplo formidável de como a desigualdade nos EUA se tornou terrível: a riqueza média dos cem domicílios americanos mais ricos em relação à dos 90% mais pobres se aproxima da disparidade de riqueza entre um senador romano e um escravo no auge do Império Romano.

Enquanto isto, a governança da China, através do Partido Comunista da China (PCC), tem demonstrado que do seu ponto de vista – respeitando sua história milenar -, que é superior à falácia dos EUA e de vários países capitalistas. Há uma renovação dos quadros do PCC, com a incorporação de pessoas capazes, jovens e comprometidas com a nação chinesa. No frigir dos ovos, a forma de governança na China é infinitamente superior a falsa democracia nos EUA.

A falsa democracia dos EUA, mantém a falácia dos sacrossantos ideais de liberdade de expressão, imprensa, representatividade parlamentar no Congresso e religião.  Mesmo se declarando que todo ser humano deve ter os mesmos direitos fundamentais, tais valores são desmentidos pela realidade nos EUA. Os chineses acreditam que as necessidades sociais e a harmonia são mais importantes do que as necessidades e direitos individuais, e que a prevenção do caos e da turbulência social é o principal objetivo da governança. Em suma, os Estado Unidos e a China claramente acreditam em dois diferentes conjuntos de valores políticos. A democracia ocidental, parlamentarista está falida.

Numa breve conclusão, os fundamentos dos EUA – dólar, sistema eleitoral e o setor militar -, já não são capazes de manter a posição de hegemonia imperialista dos EUA.

Diante deste quadro, os EUA perderam o trem da história? Do nosso ponto de vista, perderam. Isto não significa que vão cair de uma hora para outra, trata-se de um processo. Criaram a farsa do atentado de 11 de setembro, e o resultado foi a destruição e as guerras que promoveram em vários países no Oriente Médio, mas, mesmo assim acabaram derrotados ou expulsos, salvo terem obtido a ocupação de enclaves petrolíferos ou bases militares sob constante ataque, com o contribuinte americano pagando um custo altíssimo. Gastaram mais de 5 trilhões de dólares e cresceu a pobreza nos EUA, com milhares de moradores de rua em cidades como NY e Chicago.

Depois da segunda guerra mundial, criam o Plano Marshall para reconstruir a Europa e se proteger da influência da URSS. Hoje, provocam uma guerra na Ucrânia e simultaneamente, destroem a economia da Europa com o objetivo de cortar os laços econômicos e políticos do continente com a Rússia e a China, e debilitar um continente inteiro como concorrente.  Os EUA acreditavam que poderiam sufocar a Rússia como fizeram com a ex-URSS, forçando gastos militares desproporcionais que debilitariam o país, juntamente com milhares de sanções econômicas aplicadas conta a Rússia. O resultado obtido foi o contrário: a Rússia se preparou para este momento. A economia gerou um processo de substituição de importações e o setor militar estatal se desenvolve em função da defesa da soberania nacional e não dos interesses privados como nos EUA. Isto tem levado, como Putin tem demonstrado, a uma superioridade bélica russa em relação, não só aos EUA, mas também em relação aos países que compõem a OTAN. O desemprego na Rússia baixou para 3%, ou seja, vive uma situação de quase pleno emprego.

Enquanto que os EUA estavam preocupados em realizar suas guerras imperialistas, a China se tornou a maior economia do planeta em relação da Paridade de Poder de Compra. A Rússia retomou seu crescimento econômico, superando em grande parte o desastre provocado pela desestruturação da ex-URSS. Os EUA não foram capazes de prever este processo. A unificação Rússia e China mudou a correlação de forças mundial. Este é fato histórico mais importante da história contemporânea. E é preciso qualificar este processo. Trata-se de dois países que realizaram suas revoluções anti-imperialistas e comunistas, e que conseguem manter sua soberania. Sem estas estruturas que já são decisivas para a multipolaridade do mundo, seria impossível vivermos esta nova correlação de forças. Junto com países como o Irã, Venezuela, Síria, Cuba que mantiveram estruturas de soberania nacional.

Neste interregno, surgiram vários blocos econômicos como a ASEAN – Associação de Nações do Sudeste Asiático, Comunidade Andina de Nações, Associação Africana Astral, Parceria Transpacífico, a própria União Europeia, Apec Ásia Pacífico. A Rota da Seda (Iniciativa Cinturão e Rota). A criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (BAII). E mais recentemente, os BRICS com a possibilidade de incluir um número expressivo de novos membros com a criação de uma nova moeda e novo meio de transacionar sem a tutela do dólar e do sistema swift. Fato que já vem acontecendo em várias transações entre as nações. E a criação do Banco dos BRICS plus.

Os EUA estão perdendo sua concorrência com a China em termos tecnológicos e de infraestrutura. Enquanto a China moderniza sua infraestrutura com trens de alta velocidade, o sistema ferroviário americano continua obsoleto. Nos últimos anos, a China foi capaz de tirar milhares de chineses da pobreza, e num futuro não muito distante constituirá a maior sociedade com uma população de classe média, enquanto isto, os EUA aumentam o número de pobres, desempregados e moradores de rua.

Do ponto de vista histórico, os países capitalistas são os maiores responsáveis pelo acúmulo de CO2 na atmosfera contribuindo para o aumento do efeito estufa, pois desde a revolução industrial, os maiores poluidores com a utilização do carvão e do petróleo são os principais países industriais capitalistas. A China manteve seu compromisso com a diminuição da poluição, constituindo um poderoso sistema de energias renováveis. Definitivamente, vivemos um momento em que os EUA terão que se conformar com a perda de sua hegemonia imperialista e aceitar com um mundo multipolar. Como reagirá a esta nova situação? Estamos assistindo com as várias guerras de destruição como a mais recente que lançou contra a Rússia, utilizando a Ucrânia e a Europa como um todo, como bucha de canhão. E a cada dia intensifica um conflito contra a China, atiçando e armando Taiwan, como bode expiatório para justificar a falência da própria sociedade frente aos cidadãos norte-americanos.

Podemos prever até mesmo a insanidade dos EUA lançarem uma guerra atômica para cobrir a própria decadência, situação que seria desastrosa, mas que com certeza está no radar de alerta de nações como a Rússia e a China.  A recente Cúpula África-Rússia em Petrogrado, onde decidiram-se não só acordos econômicos sobre exportação de grãos, mas também militares, expressou seu tom mais alto com o discurso anti-imperialista do presidente de Burkina Faso, Ibrahin Traoré, seguindo o legado revolucionário de Thomas Sankara. Esta reunião marca o epicentro de um terremoto independentista na África.

O perigo (para o sistema imperialista) mora em que o “mundo multipolar” avança a passos de gigante, e a influência da China e da Rússia se estende à América Latina, ao resto da Ásia, ao continente africano, com propostas irrecusáveis de apoio econômico, tecnológico, industrial, de infraestrutura, tudo isso roubando espaço ao saqueio imperialista de sempre, como se expressa no recente golpe no Níger, fornecedor de 10 a 15% do urânio usado na França para os seus reatores. Então pode aumentar a tentação de usar a força bruta de maneira generalizada, já que o experimento da guerra na Ucrânia está produzindo um verdadeiro desastre entre os países capitalistas. Como dizia J. Posadas, poderíamos “esperar por mais 30 anos” para obter a paz, ou pelo menos uma transição pacífica, mas esta não é a natureza do capitalismo, do sistema imperialista e da plutocracia financeira (*). O perigo é iminente.

 Comitê Editorial

30.07.2023

(*) NOTA do Editor: A propósito do debate sobre problemas centrais hoje como o da guerra e da paz, propomos a leitura de textos do líder teórico J. Posadas, particularmente sobre a “inevitável guerra atômica” que o capitalismo prepara contra a humanidade em plena decadência sistêmica. À disposição, em língua espanhola no site (em castelhano) e proximamente em português.

 

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