Urnas da Província de Buenos Aires votam contra os reajustes e a destruição do Estado
As eleições legislativas de 7 de setembro passado na província de Buenos Aires, a mais populosa da Argentina, que representa 40% do eleitorado do país, foram históricas; uma grande derrota da LLA de Milei e do governo nacional, e uma importante oxigenação para o peronismo que honra a memória e a consciência da maioria do povo argentino. Renovam-se 46 deputados e 23 senadores que constituem a assembleia legislativa provincial (estadual).
A Força Pátria (FP) peronista venceu em 100 dos 135 municípios, enquanto Liberdade Avança (LLA) em 30. Dos 100 municípios, 87 já eram de gestão da FP. O peronismo venceu em 6 das 8 chamadas seções que abrangem todos os municípios da província. Na maior delas, a 3ª. Seção (para a qual, Cristina Kirchner foi impedida de candidatar-se mediante questionada proscrição e prisão domiciliar), a representante da Força Pátria, Veronica Magario (vice-governadora de Kicillof) venceu com 53,97% com 26 pontos acima de LLA. E na 1ª. Seção, e 4ª. Seção, feudos do LLA, o peronismo surpreendeu e venceu com boa diferença. A participação foi de 63,25% do eleitorado. A Força Pátria com 47,28% de votos superou em 13 pontos os 33,71% da Liberdade Avança. Veja Infobae.
Significativos resultados, considerando que há 20 anos o peronismo não vencia numa eleição legislativa nessa província; o peso industrial-operário e também rural, em várias zonas da Província de Buenos Aires; o voto de descontento da classe média empobrecida que desertou do apoio ao governo nacional da LLA. A prognosticada alta abstenção, de “bronca à política” instigada pelos transtornos governamentais não se deu. A maioria decidiu ir às urnas, manifestar seu descontento com Milei e seu governo, e empurrar o peronismo. Boa parte da abstenção são dos eleitores “libertários” desiludidos que votaram em 2023. Em municípios como Pilar, onde há demissões operárias massivas, a participação eleitoral foi de 60% (40% em 2023) e venceu a F. Pátria. Esses são os primeiros sinais para o que poderá vir nas eleições nacionais de 26 de outubro quando se renovará metade da Câmara nacional dos Deputados e Senadores.
A vitória do peronismo nesta eleição foi um termômetro do alto rechaço da cidadania aos reajustes econômicos, à exclusão brutal dos aposentados e deficientes físicos; cortes no serviço hospitalar-sanitário, no ensino público; foi um Basta! à destruição do Estado; à demissão massiva e contínua de trabalhadores, ao fechamento do pequeno-médio comércio e de empresas nacionais. Chegou às urnas a voz das ruas, da queixa-cântico familiar mais comum: “Não conseguimos pagar as contas. Não chegamos ao fim do mês!”. E não se excluiu, o cântico-bronca nos metrôs contra as recentes denúncias de corrupção e suborno na gestão governamental dos Milei/Menen dentro do Estado nacional que tem sido escândalo internacional.
Ato final de vitória da Força Pátria em La Plata
Diante de uma festiva manifestação ao final do pleito eleitoral em La Plata, famílias e militantes peronistas e da esquerda em geral, o governador Axel Kicillof que tem protagonizado a boa gestão econômico-social da Província de Buenos Aires, deu seu discurso final, junto a membros do seu gabinete, candidatos vitoriosos a deputados e senadores (FP), prefeitos, mães/avós da Praça de Maio, líderes da frente única eleitoral como Sérgio Massa, sindicalistas, parlamentares da UP e movimentos sociais e direitos humanos.
Simultaneamente, outra multidão festejou na rua San José 1111, diante da prisão domiciliar de Cristina Kirchner, que saiu exultante à sua famosa varanda para saudar. Antes, enviou o primeiro recado a Milei pela rede X, onde disse que a eleição foi “um dia histórico em que o povo de Buenos Aires decidiu dar um basta a um presidente que parece não entender que deve governar para todos, para aqueles que votaram nele e para aqueles que não votaram”….”Trivializar e vandalizar o ‘Nunca Mais’, que representa o período mais sombrio e trágico da história argentina, não é de graça. Rir da morte e da dor dos oponentes também não é de graça.” Cristina enviou também uma mensagem de áudio ao ato final de La Plata com outras palavras, reforçou a importância da unidade do peronismo e concluiu: “É uma vitória que nos enche de orgulho, mas também de imensa responsabilidade pelos destinos deste país que tanto amamos”.
O abraço especial do governador Axel Kicillof à representante das mães/avós da Praça de Maio deixou a mensagem de que o presente e o futuro têm um nexo inapagável com a Memória do passado na Argentina. As recentes mensagens de Milei de agressão verbal a opositores, e ameaças do governo de repressão no plano político – a jornalistas pela verdade (TV C5N), fotógrafos (Pablo Grillo), sindicalistas, idosos organizados, pessoal sanitário, artistas e professores – encontraram um freio nos neurônios da memória argentina.
Após agradecer ao povo, à militância nas ruas e saudar a unidade do peronismo que a Força Pátria representa, Kicillof agradeceu à ex-presidenta Cristina Kirchner, Sérgio Massa (Frente Renovadora), Juan Grabois (Pátria Grande) e outras forças dessa frente-única. A vitória eleitoral é também um mérito da sua governação e militância no MDF (Movimento Direito ao Futuro) dentro do peronismo, sua história como ex-ministro da economia kirchnerista que combateu os Fundos Abutres na ONU. Kicillof recebeu telefonemas de Lula, Maduro, Boric, Petro e Claudia Sheinbaum, saudando a vitória eleitoral. São raros os governantes com autoridade social, que se dedicaram na campanha, a visitar 55 distritos, dar 40 entrevistas; inaugurar casas populares, centros de saúde, ambulâncias de alta-complexidade, 285 novas escolas e jardins de infância públicos e centros de saúde; revisar autopistas e asfaltos. Tudo isso, mesmo com toda a guerra econômica e orçamentária por parte do governo nacional que cortou 12 bilhões de pesos da província.
Kicillof disse em La Plata: “Estamos em uma fase e momento em que o povo e a população estão passando por momentos muito difíceis, mas permitam-me celebrar que, com uma votação, estamos aqui para pôr fim ao governo de Javier Milei”; e acrescentou: “Eles nos roubaram nossos recursos; o governo nacional nos roubou 12 bilhões de pesos. Eles nos atacaram, nos insultaram, mil vezes, mas nunca respondemos com insultos; nos dedicamos a trabalhar pela província.”
“Milei, o povo lhe deu uma ordem. Você não pode governar para forasteiros, para corporações, para aqueles que têm mais. Governe para o povo. Foi isso que as urnas pediram de você, e foi isso que pedimos de você”. (A.K)
Conclusão:
Há que ver ainda como continua o processo. “Vencemos, mas vencemos unindo forças, e continuaremos unindo forças, dentro do peronismo e fora dele.” (A. Kicillof). Essa é a primeira conclusão clara até outubro para a liderança opositora. Projeto comum e chapas unitárias.
Para o governo da LLA-PRO, Milei/Macri? No discurso final de Milei no bunker da LLA, admitiu que sofreram uma clara derrota política, prometeu que “onde tenhamos nos equivocado vamos corrigir todos nossos erros”. Mas, em seguida, reafirmou que no plano econômico e, em geral, “não vai mudar, nem ceder um milímetro”. De fato, passados três dias, o FMI reitera seu apoio, não obstante várias reuniões e expressões de brigas internas, com prováveis mudanças ministeriais a favor do poder hegemônico. Enfim, mantêm-se todas as exigências de reajustes e cortes do FMI.
Conclusão: novos vetos presidenciais e judicializações, apesar da derrota eleitoral, e dos recentes reveses de votação no Congresso. Este derrotou seus decretos anteriores e votou leis a favor da pensão aos aposentados e aos deficientes físicos. Milei anuncia vetar a lei de financiamento universitário, a lei de emergência pediátrica, e a lei de coparticipação das Províncias na divisão dos ATN (Fundos do Tesouro Nacional). Tudo, apesar do Basta! dado pelas urnas à crueldade e ao ódio do governo aos mais vulneráveis: deficientes físicos, anciãos e crianças. Nada a esperar de quem diz que “a justiça social é um roubo.”
A luta pós-eleição continua nas ruas. Os aposentados de todas as 4ª. Feiras diante do Congresso, voltaram com mais força contra os novos “vetos presidenciais”. Os professores organizam uma greve e nova Marcha Federal Universitária com apoio de trabalhadores e médicos do Hospital pediátrico Garrahan. A conexão das ruas com o Congresso Nacional é significativa. Um Congresso, onde o peronismo unido a radicais progressistas e à esquerda tem alcançado maioria e derrotado o governo. As próximas eleições nacionais de 26 de outubro poderão aprofundar a vitória do peronismo unificado expresso na província de Buenos Aires, e consolidar o poder Legislativo apoiado nas ruas como sólido opositor ao Executivo atual. Tudo indica que, segundo a constituição argentina, o Parlamento pode ter a capacidade de impedir que o Executivo tenha o poder de vetar. Então, o Executivo deverá executar as leis.
Enfim, neste 7 de setembro, experiências e ventos de bom agouro sopraram da Argentina rumo ao Brasil, onde o povo deverá reforçar em 2026 junto a reeleição de Lula, uma representação maioritária e autêntica no Parlamento. Ao contrário, o povo argentino deverá abrir a janela aos bons ares, que sopram na maioria da Justiça brasileira (STF) contra Bolsonaro e os golpistas, para eleger uma Corte Suprema em sintonia com a constituição e a justiça social.
Argentina
11 de setembro 2025