8 de Março na Argentina superou o feminismo


“As mulheres constituem um verdadeiro exército a serviço da Revolução… A mulher é uma Revolução dentro da Revolução…. Quando os homens lutam dentro de um povo, e as mulheres também podem fazê-lo, este povo é invencível” (Fidel Castro *)

Manifestação das mulheres Argentinas
(Praça do Congresso)

Nesta Argentina onde as manifestações das mulheres, agrupadas atrás da consigna “Nem uma a menos” tem sido uma das vanguardas dos protestos internacionais do 8 de março, os números desta vez, altíssimos, de centenas de milhares (fala-se 500 mil), não foram a única novidade; o notável foi o salto qualitativo e político embutido na paixão guerreira e na diversidade dos cartazes, protestos e palavras de ordem, levantados por coletivos organizados ou cidadãs soltas e independentes.

As tentativas de reduzir a força social dos 8M a um simples “feminismo” perdem terreno, para infelicidade de Macri e dos governantes burgueses que trataram sempre de despolitizar o “movimento de mulheres”. A recente iniciativa do governo de debater o problema do aborto, com intuito oportunista de improvisar alguma bandeira para recuperar uma base social diante do desastre econômico a que reduziu o país, encontra diante de si, um movimento social de mulheres decididas a reverter em conquista essa manobra eleitoreira de “Cambiemos” – na realidade, uma reivindicação já pautada em anos precedentes.  Um dos cordões mais significativos de mulheres foi o da “Campanha Nacional” pelo “Aborto Legal, Seguro e Gratuito”, com uma compacta multidão de jovens, a dos lencinhos verdes, apoiadas por várias organizações políticas de esquerda. O projeto de lei para a despenalização do aborto já deverá ir para a Câmara dos Deputados neste mês, contando com os contrários na própria área governista de Cambiemos e numa parcela da oposição.

Na medida em que o desastre econômico, a carestia, o desemprego, o ataque à educação e saúde pública aumentam, avolumam-se o desconcerto social, a violência, a circulação de drogas, os homicídios; sobretudo nos elos sociais mais débeis da sociedade: o trabalhador (mulher), o desempregado (mulher), a dona de casa e a mãe solteira e a sem teto. Tudo isso condimentado com o atraso cultural machista que circula transversalmente por todas as classes, conduzindo ao quadro mais trágico que é a do crescente femicídio. Diante de tal tragédia social na Argentina (e no Brasil) deflagrada pelos “invisíveis” títeres das grandes finanças internacionais, não há religiosidade que possa sustentar a hipocrisia de não laicos ou laicos na “defesa da vida” contra a campanha do “aborto legal, seguro e gratuito” nos hospitais públicos, para garantir a saúde e a vida de muitas adolescentes e mulheres. Já na Itália dos anos 77, o Vaticano perdeu a batalha do referendum pelo aborto, hoje legalizado. Nos nossos tempos, desde a alta cúpula da Igreja, do Papa Francisco, aos “padres pelos pobres” na Argentina, a defesa dos preceitos religiosos está obrigada a ser mais terrenal, descendo às causas da pobreza. Quando o papa Francisco pisa no chão e aponta a mão contra o capitalismo, há menos bases político-culturais para criminalizar a mulher pelo aborto. Por isso, há chances que a legalização passe no parlamento.

Mas, a manifestação do 8M, as suas consignas demonstram que o movimento social não se conformará apenas com a legalização do aborto. Não há como Macri tirar proveito político e usurpar o apoio popular. As mulheres são conscientes de que a legalização do aborto é um paliativo necessário, e que a raiz da desarmonia de gênero, de relações familiares, a desigualdade dos direitos trabalhistas e sociais não estão superadas; conscientes de que a vala entre os que menos tem e os mais ricos se aprofunda; de que a falta de um horizonte digno de emprego e escola pública para as crianças, começa a ser difícil de superar-se a curto prazo com este governo neoliberal. Lamentavelmente, é preciso contar o número crescente de suicídio de mulheres (das janelas dos edifícios ou nas vias de metrô) comparável ao ocorrido nos últimos anos na esquecida Grécia.

Cristina Kirchner enviou uma mensagem aludindo à grandiosidade deste 8M: “que não voltará mais a ser como antes”. De fato a pujança e criatividade desta manifestação na Argentina, transborda o chamado “feminismo”, se caracteriza pela união enorme de organizações políticas, sindicais, sociais, barriais, feministas, independentes, travestis, lésbicas, prostitutas, desfilando com rebeldia e criatividade atrás de cartazes políticos variados, escritos à mão por mulheres de todas as idades e segmentos sociais: “Contra o Ajuste”, “Contra a reforma da previdência”, “Sou o grito das que não estão”, “Aborto clandestino, femicidio estatal”, “ser mãe aos 11 anos não é uma bendição, é uma violação”, “Dia da mulher trabalhadora explorada, mas rebelde, disposta a conquistar metade do céu”, “Macri, se te resta um pouco de dignidade, renuncia!”, “igual trabalho, igual salario”, “Nem uma trabalhadora da imprensa despedida”, “Não à reforma trabalhista”. Sem dizer que a partir das 11 horas sob a convocação de “greve internacional de mulheres”, houve ausências significativas de mulheres nos vários locais de trabalhos. Respondendo a esse chamado internacional, houve manifestações e greves significativas no Uruguai e na Espanha.

Atrevo-me a dizer que este 8M na Argentina foi uma extensão da manifestação do 21F (duas semanas atrás) com cara feminina. Praticamente, a mesma união de forças sociais (porque não havia macristas, mas sim arrependidas de votar “Cambiemos”), demonstrando a energia e a capacidade das mulheres de dirigir; não vítimas, mas protagonistas, tão combativas como os “camionistas” do dia 21. Aí estiveram em primeira linha, as “Mães e avós da Praça de Maio”, que realizaram a sua volta número 2082 à praça de maio (desde a ditadura) e reinvidicaram suas filhas lutadoras desaparecidas. 8M foi um exército de mulheres, jovens herdeiras de protagonistas como Eva Perón e Cristina Kirchner, como tantas no mundo, das lutas das trabalhadoras desde os anos 1909 nos EUA e na Inglaterra até a resistência das mulheres contra o nazismo na defesa da União Soviética. Não é casual que foi na URSS que em 1920, a mulher conquistou a primeira lei do aborto legal. Com Evita e Cristina, ampliaram-se muitos direitos, como a lei do voto feminino, a aposentadoria e os direitos dos anciãos, e os direitos da infância. Direitos estes que estão sendo violados com o criminoso corte de verbas nas escolas públicas, na injusta política salarial do governo atual contra os professores. A maior parte do pessoal na aréa educacional é mulher, que além de ser mãe é, muitas vezes, chefe de família. Mas, este 8M deu uma sinalização muito forte, com poderosas organizações de professoras, de que o povo está atento; mulheres e homens para que a menina dos olhos da sociedade, a educação pública, não se toque.  José Marti já dizia: “enquanto os operários não forem homens cultos, não serão livres!”. Não é casual que a maioria do Parlamento cubano são mulheres.

O 8M deu muitas pautas de luta para as mulheres; e prometem voltar, não no próximo ano, mas já.

Nossa correspondente

10 de março de 1018

Buenos Aires

(*) Fonte: Ato de constituição da organização das mulheres cubanas (23/08/60)

Veja o video sobre a manifestação: https://youtu.be/3noOcD3AVMA

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