A Cúpula CELAC/UE e a integração na Nova Ordem Mundial do Sul Global


A III Conferência da Cúpula CELAC/UE, realizada nos dias 17 e 18 de julho/23 em Bruxelas, a primeira após 8 anos de interrupção, foi um evento onde se fizeram presentes as principais lideranças de governo e delegações dos dois continentes, 33 países da Comunidade dos Estados da América Latina/Caribe (CELAC) e 27 países que integram a União Europeia (UE),  representando um mercado de aproximadamente 800 milhões de habitantes e 1/4 do PIB Global.

Foi de grande significado político considerando o contexto da geopolítica mundial onde a guerra da OTAN na Ucrânia contra a Rússia representa o nível extremo do colapso do capitalismo europeu na teia de aranha mundial imposta pelos EUA. Sentaram na mesma mesa os colonizadores e patrões capitalistas do pós-guerra, hoje semi-decadentes, ao lado dos países antes chamados do “Terceiro Mundo” da América Latina e do Caribe. Estes, engrossam o tom, levantam a cabeça e avançam com uma nova CELAC, fundadas por Hugo Chávez e Fidel, como nações do chamado Sul Global, unindo-se para construir um projeto antimperialista, anticolonialista e delineando concretamente uma nova etapa de solidariedade, de soberania e de rompimento das amarras da submissão e das ingerências políticas forçadas pelas principais potências econômicas ocidentais. Em contrapartida, a maioria dos governos europeus debilitados econômica e socialmente, pagando os custos de uma guerra imposta pelos EUA, saíram politicamente derrotados, por pressão maioritária da CELAC: Zelenski foi impedido de vir à reunião e a Rússia não pôde ser condenada por sua participação na guerra.

Mesmo com sua agenda centrada nos principais desafios do momento como, questões climáticas, meio ambiente, recuperação econômica pós-pandemia, pactos comerciais, de infraestrutura e a retomada dos acordos Associação Mercosul/UE assinado em 2019, sobrou espaço para que líderes  de vários países adotassem um tom corajoso de resistência unindo suas vozes contra o projeto neoliberal, imperialista, com destaques para as falas de Lula, Gustavo Petrus da Colômbia, Luiz Arce da Bolívia, Diaz-Canel de Cuba, da vice-presidenta da Venezuela Delcy Rodriguez, da presidenta Xiomara Castro de Honduras, do presidente argentino Alberto Fernandez, que apontou como a região está marcada por  profundas lacunas sócio-econômicas com milhões de pessoas na pobreza e com dificuldade de acesso aos serviços básicos. Realidade comum a todos os países da região latino-americana que sofreram nos últimos anos, após a chamada “década vitoriosa” do início do século XXI na América Latina, golpes neoliberais (do capital financeiro internacional e do FMI) não mais travestidos de fardas, mas de toga e violência midiática. Esta foi uma Conferência cujo lado mais vulnerável buscou demonstrar objetivamente a importância e a necessidade de estreitar as boas relações comerciais, diplomáticas, de discutir a pauta da Conferência, porém, sem perder o foco na necessidade de investimentos para gerar emprego, acabar com a miséria, com a desigualdade social e pelo fim das interferências externas.

O contexto global em que ocorre a Conferência

A atual relação de forças mundiais que conduz à emergência desta Conferência é de guerra mundial total. O caminho da paz no planeta requer uma nova ordem mundial. Está em pleno curso um enfrentamento entre o que denominam “mundo multipolar versus mundo unipolar”. Na realidade a maioria dos países do mundo, sobretudo os subdesenvolvidos e ex-colônias, da Ásia, África e América Latina, clamam pela soberania econômica multipolar contra a hegemonia do imperialismo norte-americano, para não sucumbir. São dois modelos de sistema econômico e social que chegam ao limite da contraposição, do antagonismo para garantir a sobrevivência da humanidade. J. Posadas, em sua obra, caracterizava o período da chamada “Guerra Fria” como de um enfrentamento sistema contra sistema entre o socialismo e o capitalismo, num momento em que o “bloco socialista” era bem demarcado. Com o desmantelamento da URSS e a dissolução deste bloco, inclusive do Pacto de Varsóvia, com a reintrodução do capitalismo em grande parte daqueles territórios, o processo adquiriu outras características, mas as estruturas internas, principalmente nos territórios da ex-URSS, mantiveram boa parte das conquistas e características de Estados operários, contra todas as previsões do “fim da era do socialismo”. Acima de tudo isso esteve a China, preservando o essencial da estrutura do Estado operário e se tornando a potência mundial que é, junto com Cuba, Vietnã, Cuba, mas em grande parte a própria Rússia, com as suas empresas estatais e um poderoso exército inspirado nas tradições da URSS, cada vez mais evocadas. Por isso, no fundo desse enfrentamento, mas de forma aparentemente diversa, encontra-se o enfrentamento contra o sistema capitalista em países que de uma maneira ou outra, inspiram-se no socialismo, como a Venezuela e a Bolívia, ou num progressismo que tende a resolver seus problemas rompendo com o domínio imperialista.

Em outras palavras, o discurso do presidente colombiano, Petro (1), como os de outros dirigentes da Celac (Diaz Canel, Luis Arce) que participaram da Cúpula dos Povos (Bruxelas), conduzem a uma ruptura ou pelo menos um debilitamento do domínio imperialista tanto dos EUA quanto Europeu, e à construção de um bloco antimperialista por meio dos BRICS,

Conferência CELAC-UE ocorreu numa situação delicada da conjuntura global! Um momento em que o capitalismo aprofunda sua crise na Europa com a entrada da OTAN na guerra da Ucrânia e a adoção das sanções contra a Rússia num total alinhamento com os EUA, principal financiador desta insana aventura que já destruiu a Ucrânia e matou milhares de civis e soldados ucranianos. Um projeto belicista contra a heroica União Soviética, hoje parcialmente representada pela Rússia e aliados, que derrotou o nazismo na Segunda Guerra Mundial e agora impõem igualmente uma derrota ao nazismo na Ucrânia e contra a OTAN, como mostra o fracasso da ofensiva ucraniana até agora.

Esta guerra é também contra o povo norte-americano que já sente os efeitos do alto custo social e econômico no país com a explosão da sua dívida, da polarização do caos político, desigualdade, pobreza, falta de moradias, infraestrutura em ruínas, violência e ainda assim, o governo Biden segue apostando todo seu orçamento neste genocídio até tombar o último ucraniano. Por sua parte, na Europa, a sabotagem e destruição do gasoduto NordStream2 e as sanções à Rússia, são um tiro no pé: em toda a EU aumenta a revolta contra as restrições e empobrecimento devido à guerra norte-americana e imperialista

Um império apocalíptico que desmorona, vendo escapar de suas mãos a sua hegemonia para a grandiosa China do Cinturão da Rota da Seda, do BRICS, da Organização para a Cooperação de Xangai, da Nova Ordem Multipolar com novas moedas de transações bilaterais, além da inegável relevância chinesa, para a sustentação global. China que se alia à Rússia para avançar num novo projeto de mundo multipolar emergente.

Muitos países já começaram a pular do barco como fez a Arabia Saudita, já se somam 40 os que pedem adesão ao BRICs e o Sul Global segue cada vez mais comprometido com o mesmo projeto chinês de reorganização mundial. Ursula von der Leyen, presidenta da União Europeia, abriu a Conferência dizendo que a UE precisa dos “amigos” para enfrentar os desafios colocados na atual conjuntura mundial. Os desafios da UE hoje são como sair desta cratera fervente em que se meteram ao aderir aos planos do imperialismo de atacar e impor sanções à Rússia. Biden disse literalmente que Zelensky está preso pelos EUA; e nesta prisão pode incluir a Europa Ocidental, cada vez mais vassala e colonizada.

A Conferência de Cúpula Rússia-África em São Petesburgo tem a adesão de 49 dos 54 países africanos. Este sim, um momento de celebração para a população africana, pois sem o apoio chinês e russo a África estará permanentemente condenada à fome. Mesmo sob forte pressão dos EUA e UE, a participação africana na Conferência é expressiva. Lula, na sua política exterior, fundamenta seu protagonismo como negociador da paz na guerra, Ucrânia-Rússia, clamando a que o mundo intervenha para tirar a África do atraso e do saqueio colonial. Enquanto os governantes da Europa conspiram contra os que querem fazer avançar a paz no mundo, as massas europeias já começam a cobrar explicações sobre a caótica situação social e econômica que enfrentam para salvar uma chusma de nazistas comprovadamente corruptos que lançam seus jovens para o “moedor de carne” da Ucrânia.

Na Cúpula Rússia-África, Putin demonstra (2) de que lado está a paz e desnuda as fakenews e acusações da Europa contra a Rússia: “O Ocidente procura bloquear as exportações de grãos e fertilizantes da Rússia, enquanto acusa o país pela atual crise no mercado global de alimentos. Isso é pura hipocrisia”. A Rússia foi obstaculizada de enviar fertilizantes minerais gratuitos aos países pobres da África. Das 262 mil toneladas enviadas e bloqueadas nos portos europeus, somente 20 mil ton chegaram ao Malawi e 34 mil ton para o Quênia. O resto foi apropriado pelos governos europeus. Putin deixou claro que: “Nos próximos três a quatro meses, estaremos prontos para fornecer, gratuitamente, um suprimento de 25.000 a 50.000 toneladas de grãos cada para Burkina Faso, Zimbábue, Mali, Somália, República Centro-Africana e Eritreia, entregues sem custos.” De que lado está a paz? O discurso do presidente de Burkina Faso, Ibrahin Traoré (3), continuador do legado de Thomas Zankara, agradecendo ao Putin, foi contundente. A maioria dos países africanos, asiáticos e latino-americanos já entendem o significado desta guerra e os interesses por trás destas agressões contra Rússia e China. Baseada nisso, a CELAC na Conferência assumiu o alinhamento pela paz.

Lula resumiu a participação do Brasil na CELAC/UE declarando que o objetivo do governo é “colocar o Brasil no centro da disputa do protagonismo mundial. E nessa linha Lula avança como liderança regional ao assumir o debate com os demais países da América Latina e Caribe, um plano de integração, visando o crescimento econômico, político e social por meio do Mercosul/UE, porém, fazendo os ajustes que é necessário fazer nos acordos estabelecidos anteriormente. Os pontos de divergência, ficaram fora de uma resolução final como a guerra na Ucrânia e eleições na Venezuela. Quem estranhamente, pressionou para que a CELAC adotasse uma posição de condenação à Rússia pela “invasão” na Ucrânia, destoando dos demais membros da região que defendem uma saída pela paz e uma aproximação com a Rússia, foi Gabriel Boric presidente do Chile, “jovem apressado” e “inexperiente” e que tem muito a aprender, segundo Lula. Na realidade, demonstra sua inconsistência ideológica e debilidade frente à direita interna no leque governamental chileno, não obstante haver nacionalizado o lítio. Luis Arce, que fez um firme discurso antimperialisa na Cúpula dos Povos, acaba de inaugurar na Bolívia 3 das 19 salinas de lítio nacionalizadas, pela YLB (Yacimientos de Lítio Boliviano). Tendo uma das maiores reservas de lítio do mundo, a Bolívia contará com a ajuda de 1 empresa russa para a sua industrialização com valor agregado; e com duas da China. Esta participará também de outros trechos finais do gasoduto Nestor Kirchner da Argentina.

O presidente Petro da Colômbia e Xiomara Castro de Honduras, brilharam ao propor constar na resolução da Conferência a condenação dos responsáveis pelo bloqueio contra Cuba e pede sua suspensão imediata. Essa é verdadeira democracia; aquela que é solidária com os povos atacados como Venezuela, Nicarágua, Cuba. Esse é o caminho que devem buscar os parceiros regionais preocupados com a integração para o desenvolvimento social, político e econômico dos povos. O legado de Hugo Chávez, cujos 69 anos acaba de ser comemorado na Venezuela, continua vivo e renasce nestes novos processos de governo popular e revolucionária na América Latina.

Vladimir Putin encontra Dilma Rousseff

 

O papel do novo BRICS é central para um “novo mundo possível”, onde o dólar despenca como moeda hegemônica do mundo unipolar, e as negociações com moedas locais abrem alas à multipolaridade. A unificação China-Rússia passa a ser o centro motor deste processo. Unem-se a força econômica da China, com a capacidade militar da Rússia evidenciada na Ucrânia (4). A China, não se intimida com a ameaça dos EUA de converter Taiwan numa Ucrânia asiática, e demonstra preparação militar. O Brasil, com a reunião de Dilma e Putin, dá sinais da responsabilidade internacional do Brasil e das pressões políticas internas contrárias que pode sofrer o governo Lula. Mas, o BRICS será um motor econômico externo decisivo para a integração latino-americana e o papel da CELAC, que ocupou o cenário em Bruxelas, apesar do blackout informativo. A Rússia não pôde ser condenada como queriam os do Tribunal Penal Internacional, e atua com convicção pelo bem comum. O chefe da Corporação Estatal de Atividades Espaciais Roscosmos, propõe ao BRICS um setor especial para pesquisas científicas na futura estação espacial russa. Integração na terra e no cosmos. Leia no Sputnik.

29/07/2023
Comitê de Redação

(1) Discurso do presidente Petro da Colômbia na Cúpula dos Povos em Bruxelas.

(2) Pelo Twitter, o presidente russo, Vladimir Putin, explicou as razões pelas quais não permaneceu no acordo de grãos. “Estamos testemunhando um paradoxo”. Veja

(3) Discurso do presidente de Burkina Faso, Ibrahin Traoré: “Hoje temos a oportunidade de construir uma nova relação. Eu espero que esta relação seja para um melhor porvir do nosso povo. Hoje nos enfrentamos com as formas mais bárbaras e violentas do neocolonialismo e do imperialismo. A escravidão ainda se nos impõe. Nossos predecessores nos ensinaram que o escravo não é capaz de assumir a rebeldia e merece viver no seu lamento. O problema é ver os chefes de Estado que não aportam nada à luta dos seus povos. Líderes que cantam ao som do imperialismo, sendo tratados como seus ministros e tratados como homens que não respeitam os direitos humanos. Estar aqui falando não é suficiente para nós e é vergonhoso. Necessitamos de líderes africanos que deixem de comportar-se como marionetes que bailan cada vez que os imperialistas tocam o instrumento. Nossos povos disseram: Basta!  Glória a nossos povos! Dignidade a nossos povos! Victoria ao povo! Pátria ou morte! Obrigada camarada!”

(4) Sugestão de vista: vídeo do jornalista Pepe Escobar em Moscou, descrevendo o progresso econômico e sócio-cultural da Rússia atual e seu papel central junto à China, na multipolaridade, no BRICS, na Organização de Cooperação de Xangai, da União Econômica Euro-Asiática, no Mercosul e na ASEAN.  Veja.

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