A genialidade tática do governo Lula e os seus desafios


Editorial:

 Como as iniciativas do governo progressista de coalisão permitem superar uma correlação de forças interna desfavorável

Lula está lutando como um leão para criar condições para um desenvolvimento consistente do país enfocando nas necessidades da maioria. Busca no plano internacional as bases para este desenvolvimento econômico, cultural e forças externas com o fim de neutralizar um golpe de direita que não foi completamente derrotado com as eleições e após o 8 de janeiro, e continua de forma latente. Tal tarefa exige muito jogo de cintura. Não há uma correlação de forças favorável às políticas progressistas no Congresso Nacional, e nem mesmo ainda junto ao grande empresariado e ao agronegócio e grande parte da classe média anteriormente iludida com o bolsonarismo.

Mesmo assim e apesar disso, Lula tem um crescente apoio das classes populares chegando já a setores da classe média e do baixo clero empresarial, em decorrência de suas políticas sociais que começam a aparecer: mais recursos para o Bolsa Família, a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a recriação dos Mais Médicos, SUS, aumento dos investimentos em educação, retomada da política de salário mínimo acima da inflação, a primeira fase da Reforma Tributária que tende a favorecer os mais pobres, o “Desenrola”, entre tantas outras A duras penas aprovaram-se reformas como a do Marco fiscal e a Reforma Tributária. Parte-se de uma incomensurável tragédia de pobreza, exposta no cotidiano das cidades, com um tecido social esgarçado há anos, enormemente deteriorado na era neoliberal-fascista de Temer a Bolsonaro.

Lula luta contra a corrente de uma herança maldita. Não se trata apenas de uma luta contra o bolsonarismo. Trata-se de lutar contra uma guerra perpetrada contra a nação brasileira há anos. O imperialismo e a elite mundial foram complacentes com os militares, entre os quais coexistiam correntes nacionalistas estatizantes, porque houve uma confluência de interesses no combate à esquerda e ao fantasma do “comunismo”, e nas concessões que a ditadura militar fez ao imperialismo. No momento em que a ditadura militar que defendia um forte poder estatal, com algum viés nacionalista, não mais interessava aos interesses do império, formou-se uma transição com o objetivo de transferir grandes patrimônios para determinados grupos econômicos, rifando os grandes monopólios estatais na mineração, comunicação, energia, serviços, enfraquecendo o Estado e a soberania nacional.

O jornalista investigativo, Pepe Escobar, recentemente, em uma palestra em Brasília, descreveu como grandes famílias e agrupamentos de poder levam continentes à ruína, como se vê claramente nos países da Europa, submetidos à OTAN e levados à guerra, prostrando-se frente aos interesses dos EUA e sacrificando o desenvolvimento econômico e o bem-estar das próprias populações.

A correlação de forças internacional, porém não é favorável ao imperialismo: com toda a guerra de mais de 70 países ricos representados na Otan contra a Rússia e todas as medidas de embargos e retaliações, a Rússia não só se manteve firme no front militar e libertou as regiões de populações russófonas da Ucrânia do nazismo, como se fortaleceu em todos os planos da atividade econômica, rompendo os laços com o “Ocidente”, estabelecendo sua aliança com a China e inúmeros outros países, deslocando o progresso econômico para a região asiática e para o Sul global, reforçando as alianças militares, comerciais, políticas com quase todo o “terceiro mundo”: o mundo “multipolar” se fortaleceu mais que nunca.

Isso forma parte da correlação de forças internacional que impediu que as Forças Armadas tivessem assumido a cabeça de um golpe de estado após a vitória eleitoral e Lula, embora fossem numerosos os exponentes bolsonaristas propensos a esta aventura. Eles não tiveram o aval de Washington. Não tiveram o aval da UE e de nenhuma outra potência ou nação relevante. Sua principal – suposta – liderança, Bolsonaro, desertou miseravelmente, deixando os seus apoiadores mais entusiastas abandonados à própria sorte.

Entretanto, hoje é sabido que o meio mais importante de atuação da direita fascista na atualidade não é o militar, mas a “guerra cognitiva”, a batalha pelo cérebro humano, por meio das “redes sociais” e da mídia corporativa, com a qual Bolsonaro por muito pouco não ganhou as eleições. Mas o “terraplanismo” político se chocou com a dura realidade do mundo atual, sempre redondo, e cada vez mais multipolar.

Mesmo assim, não há como enfrentar a guerra híbrida contra a soberania da nação brasileira sem profunda reforma das Forças Armadas, também vítimas da lavagem cerebral neoliberal, da qual uma parte se locupletou na era bolsonarista com cargos, salários e privilégios. Fundamental é reorientar essas forças para a defesa da soberania nacional, e recuperar as melhores tradições realmente nacionalistas do setor militar, a começar pela defesa da Petrobrás, pela reestatização da Eletrobrás e a defesa incondicional dos principais recursos econômicos do país para o desenvolvimento do seu povo. Esse foi o grande logro da revolução bolivariana do coronel Hugo Chávez: quando as forças armadas passam a servir ao seu povo e não aos interesses do imperialismo.

Nesse contexto, não se trata de uma tarefa simples para o governo Lula. Não há receita de bolo. O desafio é consolidar uma aliança com as massas, num cenário em que a direita estrategicamente assentou suas bases nas igrejas pentecostais, na classe média e baixa, no tráfico de drogas, nas redes sociais e na própria economia. Color de Melo confiscou o dinheiro do povo e provocou, com a abertura do mercado às importações, sem nenhuma proteção à indústria nacional, o início da desindustrialização do país. Tal política neoliberal, promovida por setores financeiros e capitalistas brasileiros com fortes vínculos internacionais, promoveu a venda das ações da Petrobrás na Bolsa de Nova Iorque. A venda na bacia das almas da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em que se apoderaram da maior empresa nacional mineraria do planeta, a Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD) que, na gestão privada não só drenou riquezas para uma pequena oligarquia, como provocou os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho. Acabaram assaltando com cláusulas ilegais e draconianas e tomando o controle da Eletrobrás. Fatiaram e venderam parte da Petrobrás e do Pré-sal e fizeram inúmeras concessões às multinacionais estrangeiras. São os mesmos que promoveram o rombo e o escândalo financeiro das Lojas Americanas. São donos de grandes conglomerados financeiros. São donos da Ambev, a que produz cervejas de péssima qualidade, com um marketing que tem elevado brutalmente o alcoolismo no povo brasileiro, com consequências catastróficas para o país. Quando a propaganda de bebidas alcoólicas deveria ser terminantemente proibida e o consumo restringido.

Durante os primeiros mandatos de Lula e Dilma, não se conseguiu reverter muitos destes ataques à soberania nacional, mas conseguiu-se fazer renascer a indústria naval e por meio das encomendas públicas das plataformas de exploração e a ampliação da indústria dos derivados de petróleo. Lula enfrentou o poder hegemônico e colocou as extraordinárias reservas de petróleo no pré-sal a serviço das várias políticas sociais com a criação de milhões de empregos; tirou o país do mapa da fome. Por isso, o imperialismo e o grande capital financeiro, como na Argentina e Equador, arquitetaram e lançaram lawfare da Lava Jato, o golpe judicial-midiático de boa parte do poder judicial que contou com a cumplicidade do grupo Globo e de toda a mídia hegemônica. Feito o golpe contra Dilma, o Brasil se encontrou sob ataque. Temer fez uma reforma na previdência criminosa contra o povo pobre, começou a desmantelar a e a vender empresas estatais, e atacar as conquistas sociais de todos os anos precedentes.

No livro “Uma guerra contra o Brasil” de Emílio Odebrecht e nas reportagens do jornalista Joaquim de Carvalho do jornalista Joaquim de Carvalho à TV247, foram denunciados com riqueza de detalhes todos os mecanismos nefastos da guerra judicial-midiática da Lava Jato com fins econômicos destrutivos da indústria nacional e da promoção do desemprego massivo, assegurados com a prisão de Lula e a eleição do genocida Bolsonaro. Conhecer a história verdadeira é essencial para enfrentar os agentes do lawfare que sobrevivem.

A “autonomia” do Banco Central foi outro golpe contra o Brasil, com a manutenção das altas taxas de juros, destruindo qualquer orçamento fiscal. Em resumo, os fundamentos da soberania nacional foram destruídos. Como reconstruir um país em que suas principais riquezas foram saqueadas? Como inserir o Brasil no BRICS nesta situação lastimável? Como inserir o Brasil no mundo multipolar em meio a uma guerra de destruição? Lula luta com todas as suas forças, mas se não mexer nos pontos nevrálgicos, teremos poucas possibilidades de atacar de forma estrutural as desigualdades sociais. As novas possibilidades como as energias renováveis, os novos fármacos da nossa biodiversidade, e mesmo a exploração mineral sustentável, se não forem conduzidos por empresas estatais, terão pouco alcance.

Da mesma forma, a defesa do meio ambiente, não se dá através da intromissão de ONGs europeias ocupando a Amazônia, nem “transições energéticas” defensoras de energia limpa em mãos de multinacionais e latifúndios. A reforma agrária sempre propugnada pelo MST assume prioridade no novo governo Lula, na forma moderna em que esta é possível: dando toda força, financiamento, tecnologia e mercados para a produção familiar e à pequena e média indústria agrária. Energia renovável e microdestilarias nas mãos da agricultura familiar e distribuída por empresas municipais e estatais são prioridade.

A disputa pelo petróleo no mundo, sinaliza que é preciso reestatizar a parte da Petrobrás que foi privatizada ilegalmente. Milhares de empregos foram perdidos com as vendas das refinarias e subsidiárias ao setor privado, e indiretamente com o desmanche parcial da indústria petrolífera nacional. Nenhuma “transição energética” deve tirar o foco da decisão política do governo de recuperar a soberania petroleira e energética. Não há soberania nacional sem adotar medidas de controle de setores estratégicos do país. Não há soberania energética sem vinculá-la com igualdade distributiva e social das riquezas naturais.

Para enfrentar esta situação, o vento sopra a favor na presença do Brasil, através de Lula na atual presidência pró-tempore do Mercosul, e de Dilma na direção do já cobiçado BRICS, fatores que terão um efeito positivo no relançamento da CELAC, a Unasul e da integração latino-americana. Uma América Latina unida potencializa a força de negociação dos seus países frente à Europa. O enfraquecimento do dólar e as novas relações comerciais bilaterais com moedas nacionais (Real-Peso argentino) introduzem um novo cenário favorável também ao governo Lula. Este impulsiona e recebe impulsos da América Latina.

É preciso realizar uma vigorosa reforma agrária para conter a expansão dos setores mais retrógrados do agronegócio que se associam à grilagem para desmatar e poluir com agrotóxicos, preservando a parte sadia do empresariado agrícola; defender e reforçar a agricultura familiar, como têm reivindicado o MST e outros movimentos sociais do campo, demonstrando de forma eloquente se se pode produzir e alimentar a população sem a devastação ambiental e promovendo a justiça social e a distribuição de riquezas. As experiências de governo popular bem-sucedidas ou falidas na América Latina, indicam que é imprescindível a organização e o poder popular, no campo e na cidade. Julgar ou esperar dos líderes de governo não basta.

O MST, bem como dirigentes vinculados à pequena e média agricultura familiar dão exemplos. È enorme a quantidade de grupos de pessoas, no caso de famílias, dedicadas à agricultura convencional ou orgânica, organizando-se para sobreviver com dignidade, através de suas cooperativas. A maioria, dedicada à agricultura familiar, na labuta do dia a dia. Muito diferente da trágica situação da pobreza nos centros urbanos. Pode-se dizer, uma resistência em defesa da vida, organizando-se com toda a dificuldade que é organizar uma cooperativa, promover reuniões, produzir, comercializar, estudar. Lula pretende criar mais 400 Institutos Federais de Educação, totalizando 1000 no final do seu governo; na sua maioria criados durante seus primeiros governos. A guerra híbrida contra a nação brasileira traz prejuízos irreparáveis, mas há uma resistência, mesmo que pequena e localizada. Uma resistência pela vida.

Mesmo assim, e para dar voz a estes setores constantemente sob ataque por parte das oligarquias e da extrema direita, torna-se imprescindível que o governo Lula assuma uma política de comunicação popular ampliando, por exemplo, com muito mais força seu programa de todas as manhãs de segunda-feiras, “Conversando com o Presidente”, para as rádios e TVs comunitárias, fazendo com que sua voz e mensagem chegue a toda população, de norte a sul do país.  Há avanços de fala de Lula em reuniões e atos, via novos meios digitais, blogs on-line, etc… Evidentemente, o Lula atual, pós-prisão de Curitiba, é outro, não renuncia à sua liberdade e espontaneidade de líder de massas, não se fecha nos palácios. Mas, é essencial transformar a EBC num conglomerado de mídia de alcance nacional para difundir as iniciativas governamentais e dar voz aos marginalizados da informação, ativar mais rádios e todos os canais populares possíveis com programas diários, cadeias nacionais de TV, comunicando e explicando as medidas de governo, promovendo a luta pela distribuição de renda, pelos direitos sociais, promovendo uma nova Conferência Nacional de comunicação, para que nunca mais o país volte às trevas, das quais um dos eixos fundamentais foi a hegemonia da mentira e da desinformação, ainda em grande parte em poder das oligarquias da comunicação e promotoras da guerra híbrida.

Mesmo assim, e para dar voz a estes setores constantemente sob ataque por parte das oligarquias e da extrema direita, torna-se imprescindível que o governo Lula assuma uma política de comunicação popular muito mais ampla e forte. Há avanços de fala de Lula em reuniões e atos, via novos meios digitais, blogs on-line, etc… Evidentemente, o Lula atual, pós-prisão de Curitiba, é outro, não renuncia à sua liberdade e espontaneidade de líder de massas, não se fecha nos palácios. Mas, é essencial transformar a EBC num conglomerado de mídia de alcance nacional para difundir as iniciativas governamentais e dar voz aos marginalizados da informação, ativar mais rádios e todos os canais populares possíveis com programas diários, cadeias nacionais de TV, comunicando e explicando as medidas de governo, promovendo a luta pela distribuição de renda, pelos direitos sociais, promovendo uma nova Conferência Nacional de comunicação, para que nunca mais o país volte às trevas, das quais um dos eixos fundamentais foi a hegemonia da mentira e da desinformação, ainda em grande parte em poder das oligarquias da comunicação e promotoras da guerra híbrida.

Comitê de Redação
23/07/23

 

 

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