Chegamos a 400 mil mortos. Explodem as contradições do regime parafascista. Abre-se a CPI do Genocídio, e não se sabe onde vai terminar a avalanche de lodo e crimes do regime. O projeto de golpe militar naufraga, o leão ruge, mas só arranha. A Santa Aliança que o elegeu entra em fibrilação e ameaça ruptura. A unanimidade empresarial golpista foi quebrada pelas perdas e “danos colaterais” das consequências do “tratamento de choque” neoliberal.
Os Poderes judiciário e legislativo não conseguem cobrir reação social ao genocídio e crimes quotidianos do Executivo, e brechas são abertas, com a anulação dos processos contra Lula e suspeição de Moro et caterva.
A CPI do Genocídio abre o esgoto de maneira irreversível, e roupa suja será lavada frente ao grande público, e não mais somente pelas redes sociais, entrando em milhares de lares tomados pela dor e o desespero da perda dos entes queridos, do desemprego, a fome e a miséria. A classe média, assustada, deserta da base de apoio do aprendiz de ditador.
Proletários, militantes e comunidades resistem, encontram novo ânimo, mas o caminho para a reação popular organizada e massiva é longo, apesar das greves, protestos e tentativas de reação contínuas e frequentes. Muito mais precisa ser feito para que se tornem uma torrente incontível.
Os sindicatos, enfraquecidos pela “reforma trabalhista” que reduziu o poder de contratação e as conquistas dos trabalhadores e os meios de sustentação das organizações sindicais, reagem pelo caminho certo: assumindo que as pautas econômicas isoladas não têm futuro frente à voracidade neoliberal privatizante: é preciso entrar de cheio nos movimentos sociais e políticos para reconquistar a democracia e a soberania nacional, indo às raízes do mal que assola os trabalhadores. O exemplo da FUP (Federação Única dos Petroleiros), promovendo a venda de bujões de gás de cozinha a preço justo em várias cidades do país é um bom exemplo que permite discutir a conexão entre a soberania nacional e a popular.
Lula reaparece no panorama político nacional com uma força incontível, que não é só eleitoral, mas simbólica, de estímulo à resistência e reorganização das forças populares.
Devido à sua força e seu prestígio, gravados na memória de amplos setores populares, torna-se uma força política com a qual mesmo as “viúvas” do golpe contra Dilma e os governos do PT devem negociar.
Investe-se assim, ainda timidamente, na possibilidade da reedição de um governo com “Lula consentido”: concede-se a ele o cargo honorífico de Presidente, desde que não toque nos interesses vitais das elites. Entretanto, estas estão divididas, sobretudo as camadas inferiores, do comércio, das subsidiárias, das empresas ainda nacionais, do empresariado “independente”.
Lula não se furta a negociar com quer que seja, mesmo porque o risco de tentar constituir um governo de esquerda “puro” é enorme. Aprenda-se da recente lição do Equador, quando tudo indicava que o candidato da esquerda correísta iria chegar ao governo com facilidade, frente ao descalabro neoliberal do governo de Lenin Moreno, e o trágico desgoverno frente à Covid: criou-se um “terceiro polo” diversionista, falsamente indígena e ecologista, servil ao lawfare, orientado pelo anticorreismo; assim, se jogaram os votos de boa parte da população ou no lixo, ou nos braços do candidato da direita.
O risco de uma candidatura da direita liberal liderada por Ciro Gomes, obcecado pelo antipetismo, é grande. Ou seja, livrar-se de Bolsonaro para manter a nave no rumo do neoliberalismo “moderado”. A fórmula parece atraente: agregar os desertores do Golpe, santificar os cúmplices do genocídio, chamar à “moderação” e à “união nacional”, isolando os “extremistas” da esquerda, que ficariam, como sempre, em minoria. Cavalgar o antipetismo parece um passeio. Mas talvez haja algumas pedras no meio do caminho…
O imperialismo yankee e as altas finanças não ficarão passivos: têm alto poder de fogo e tecem suas redes para manter a colônia sob controle, através da mídia, das redes de ódio e do apoio aos fascistas e demolidores da soberania nacional, mas tudo indica que não terão êxito. Biden põe a sua cara feia na “guerra das vacinas”, vetando – com o “amém” da Anvisa – a Sputnik V, que além de aumentar o prestígio da Rússia, pelo enorme sucesso no grau de eficiência, fortalece os governadores que peitaram o Governo Federal e decidiram comprá-las. O império tentará desesperadamente impedir que um novo governo Lula aborte a venda das riquezas nacionais, e tente reconquistar a soberania petrolífera, anulando os contratos draconianos e suicidas feitos até agora.
Por outro lado, um “Lula consentido” não permitiria encarar o que de fato tiraria o Brasil da situação de “terra arrasada” em que se encontra, considerando que a obra de demolição ainda não terminou. E sem a reversão radical, a ruptura com a ditadura financeira, a retomada e reestatização das empresas públicas, o controle férreo do setor financeiro, a plena soberania nacional, os investimentos em infraestrutura e no fortalecimento do SUS, do ensino público, pesquisa científica e conquistas sociais, será impossível retomar o caminho do desenvolvimento econômico com justiça social.
Um novo “Lulinha paz e amor” – embora seja uma ideia atraente para pacificar o país – seria um fracasso do ponto de vista das expectativas da sociedade, que requerem medidas radicais e urgentes. Requer-se muito mais que o “ganha-ganha” anterior, em que se podiam conciliar os interesses das elites financeira, industrial e agrária com os dos trabalhadores. Questões estratégicas foram deixadas de lado e foram justamente elas que permitiram o retrocesso. O poder financeiro nem foi arranhado. As multinacionais do agro e da indústria deitaram e rolaram, com o mercado interno fortalecido.
Jogariam então na tentativa posterior de desprestígio de um Lula “domesticado” para aplicar novos golpes à Nação e aos trabalhadores, consolidando o trabalho sujo pelo sabujo fascista que colocaram no poder. Ninguém pode saber como terminaria um governo Lula pós-Bolsonaro amarrado aos mesmos interesses que o sufocaram, golpearam e aprisionaram.
Lula, porém, sabiamente, não abre o jogo e faz o que tem que fazer: tenta reconstruir a humanidade que resta neste País, pressiona pelo atendimento às necessidades do povo, busca alianças internacionais para as vacinas, a defesa do ambiente; é um verdadeiro Chanceler em função. E só transmite mensagens de união e compaixão para com seu povo, não se rebaixa a defender-se da corrente do ódio.
A verdade é que não se pode tolerar mais a fome e a miséria nos lares de milhões de brasileiros. Não se pode mais tolerar a falta de vacinas, leitos hospitalares, medicamentos, pessoal sanitário. Os crimes devem cessar, e os criminosos devem ser punidos. É preciso apoiar as Associações de familiares das vitimas do Covid-19 não só para recuperar direitos e indenizações, mas responsabilizar a política genocida do governo; dar-lhes voz na CPI contra Bolsonaro e seu governo.
A prioridade para o povo não é quem governará em 2023; tem razão Lula em priorizar a luta pela vida. A luta é hoje, contra a miséria, pela reorganização da população trabalhadora, os desempregados, dos explorados e esquecidos. Tudo é válido para isso, dialogar com quem quer que seja, criar uma união nacional em torno da defesa da democracia e dos direitos sociais, e sobretudo, do fim do massacre em curso, com o uso deliberado da Covid para aterrorizar, matar, escravizar. Verdade é que existe a urgência da defesa da vida, do impedimento da continuação do genocídio, e da punição dos responsáveis por essa tragédia. Teremos que ter o nosso Tribunal de Nuremberg, e a CPI do Genocídio deverá ser só o começo.
Entretanto agora, já, a prioridade é parar a mão dos assassinos, destituí-los, retomar alguma forma de governo racional, mesmo que por meio de acordos com os golpistas e corruptos que permitiram e compactuaram até agora esta situação, mas que temem o rugir das ruas, dos antigos e futuros eleitores, indignados pelas consequências da sua covardia e mediocridade, que impediram o impeachment de Bolsonaro e deram sustentação ao Genocida-mor.
Nada impede Lula de conversar, por enquanto, com estes senhores. Mais adiante, terá que haver um ajuste de contas. Hoje é impossível. Mas a direção do PT, os líderes mais importantes da esquerda, Boulos, Flávio Dino, todos, devem ter isto em mente: cumprida a tarefa de parar com o Genocídio, o Brasil vai precisar de uma transformação radical, ou não sobreviverá no contexto internacional atual, senão como colônia subalterna.
Basta olhar para o mundo, o papel que cumprem hoje a China, Rússia, Cuba, Vietnã, o Irã por manterem-se soberanas e altaneiras: derrotam a Covid internamente, exportam vacinas para o mundo, peitam e enfrentam o boicote imperialista e as tentativas de nova “guerra fria”, e se desenvolvem, quebrando de fato a hegemonia yankee. Preparam o golpe final: a quebra do monopólio da moeda gringa.
O novo governo Lula deverá reconstruir a UNASUL e a CELAC, recuperar o Mercosul quase à beira da extinção, retomar plenamente a aliança com os BRICS. Quebrar o certo à Venezuela, à beira de uma agressão militar imperialista, fortalecer os laços com a democracia recém-conquistada na Bolívia, aliar-se ao futuro presidente do Peru, que ao que tudo indicam as sondagens, a partir de 6 de junho será Pedro Castillo, um governo progressista, fortalecer a aliança com a Argentina, isolar e finalmente desvencilhar-se da famigerada OEA, desmantelar a “Aliança do Pacífico”, braços político-econômicos do imperialismo. Só assim terá forças, reunificando a América Latina, para fortalecer a Nação brasileira e retomar todas as conquistas sociais que baniram a fome e a miséria do nosso País.
Comitê Editorial
Posadistas Hoje
29 de abril de 2021