A tragédia no Rio Grande do Sul e o modelo econômico brasileiro


Se por um lado, a tragédia das inundações no RS mostrou as perdas de vidas, a destruição inteira de cidades, junto ao lado solidário do povo brasileiro, por outro lado, mostrou a necessidade urgente de mudança do modelo econômico do país, que passa por mudanças políticas, econômicas e sociais e reforço do papel do Estado.

Já fomos um dos países mais industrializados do planeta. Inclusive, mais industrializado que a China. A China veio copiar, em alguns aspectos, o modelo econômico brasileiro. Mas, ela avançou e o Brasil retrocedeu, porque sua nova industrialização se baseou numa planificação estatal socialista. Ao passo que a brasileira sucumbiu numa concentração capitalista financeira e consequente degradação da sociedade brasileira e marginalização de milhares de brasileiros.

A Era Vargas que sedimentou as bases modernas da economia brasileira, com empresas estatais indutoras do desenvolvimento e conquistas sociais está sendo desmontada a cada governo neoliberal. É vergonhoso a existência de uma elite nacional totalmente submissa a forças externas usurpadoras das riquezas do país.

Querem vender a ideia que o Agro é Pop, o Agro é Tech, o Agro é Tudo como solução para o desenvolvimento do país. A cada dia, os estudos em Universidades e Centros de Pesquisas vão mostrando o contrário. O Agro não paga imposto de exportação. O Agro desmata e provoca queimadas criminosas. O Agro é dependente de importação de insumos para sua produção. O Agro utiliza alta tecnologia comprada do exterior ou produzida por empresas transnacionais dando total poder aos não residentes no país. O modelo do Agro é concentrador de renda, de terra e poder. O Agro utiliza venenos que estão contaminando o nosso solo e os nossos rios. São poucos os produtores intitulados de Agro que têm uma agricultura sustentável. E acima de tudo, são contra a reforma agrária, tão imprescindível para o desenvolvimento do país.

Mas o Agro não alimenta 1,3 bilhões de pessoas no mundo? A soja, carro-chefe das nossas exportações, serve para alimentar os animais no exterior. É um absurdo, um dos países que mais exporta produtos alimentícios do mundo, ter milhares de pessoas em insegurança alimentar e pessoas passando fome. 70% dos alimentos que chegam à mesa da população brasileira é produzida pela agricultura familiar que produz sem uma indústria de tratores apropriada para o seu trabalho.

 

 

Doaçao da CONAB/MG aos inundados do RS

 

38 mil marmitas doadas pelo MST/RS
(Foto: Vitor Frainer)

Na tragédia do Rio Grande do Sul, o Governo Federal não está medindo esforços e nem recursos financeiros para atender a população atingida, medidas concretas como a criação do Auxílio Reconstrução, o benefício de 5,1 mil reais para cada família desabrigada e desalojada, a expansão do Minha Casa Minha Vida quitando imóveis de leilão para beneficiar as famílias afetadas pelas enchentes e que perderam suas moradias, além da liberação de 580 milhões em emendas para ajudar os mais de 497 municípios atingidos por esse desastre ambiental são exemplos destas ações do governo Lula. Importante destacar ainda o anúncio feito pela ex presidente Dilma Rousseff e hoje presidente do Banco do BRICs: a destinação de 5,7 bilhões de reais para a reconstrução do Rio Grande do Sul. A ação de solidariedade e reconstrução do MST tem sido exemplar e organizadora da participação social.

Certamente que as mazelas dos governos neoliberais, sobretudo reforçadas no governo estadual estão vindo à tona: flexibilização e desmonte das leis ambientais; falta de manutenção das comportas de contenção das águas; impotência frente a fenômenos climáticos, seja pela ação predatória do “homem”, como por mudanças na temperatura da terra e dos oceanos que provocam mudanças climáticas no mundo todo.  Agora, mais do que nunca o papel do Estado assume relevância e é o caminho certeiro para a reconstrução de casas, presas hidroelétricas na regulação dos rios e geração de eletricidade, reflorestação, obras públicas preventivas.

O Congresso Nacional está tomado por neoliberiais: a bancada do boi, a bancada da bala, a bancada das empresas transnacionais farmacêuticas. Agora mesmo, aprovaram na Câmara dos Deputados um projeto de lei que penaliza as pessoas pobres que, porventura, fizerem uma ação de defender seus direitos e fazer cumprir a lei da ocupação de terras improdutivas. Estas pessoas não mais receberão qualquer auxílio do governo federal, como bolsa família, pessoas que mais necessitam desta ajuda social. Uma luta da elite do Congresso Nacional contra o MST, o mais bem organizado movimento do campo brasileiro, seja na produção como na política.

Sem abandonar as bandeiras identitárias, se faz necessário levantar prioritariamente a bandeira da defesa da soberania nacional. O Governo Lula tem realizado dezenas de programas que minimizam o sofrimento do povo brasileiro, mas patinamos.  Falta-nos um projeto nacional, em defesa das empresas nacionais, de uma verdadeira industrialização, de uma verdadeira desconcentração de renda. E principalmente, realizar a desprivatização do Estado. Hoje, grande parte do Estado Brasileiro foi capturado pela elite sanguessuga com acesso a crédito subsidiado como o Plano Safra, com perdão da dívida. Precisamos acabar com as desonerações tributárias sem significado para setores da indústria; a extorsão do sistema financeiro com a remuneração dos títulos públicos a taxas exorbitantes; a remuneração dos saldos bancários

Não é possível ter um projeto nacional, se o Estado Nacional não resgatar a Companhia Vale do Rio Doce, os setores da Petrobrás que foram privatizados, a parte entregue de forma acintosa da Eletrobrás, a CSN. Argumenta-se que não temos correlação de forças para alterar esta situação. Se não temos correlação de forças, nosso desenvolvimento estará comprometido. Como fazer?

A correlação de forças mundial nos é favorável. Surge um mundo multipolar que não é incompatível com a defesa da soberania nacional. A nossa participação e liderança no BRICS deve ser aproveitada para nos livrarmos do colonialismo que nos domina. Prioritariamente, somos exportadores de matéria-prima, petróleo, minério de ferro, soja, milho, café e carnes. Getúlio Vargas utilizou-se das exportações do café para industrializar o país. Os governos neoliberais utilizam-se do agronegócio para desindustrializar o país.

Fala-se em transição energética. Temos aí duas situações. Primeiro, a transição energética, mesmo que “limpa” reproduz o modelo do Pro-álcool, concentrador de renda, pois está sendo realizado por grandes empresas e transnacionais – fotovoltaica e eólica. Em segundo lugar, a degradação do nosso meio ambiente assume proporções catastróficas – rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho; os desmatamentos criminosos na Amazônia; o ataque brutal aos biomas do Cerrado (nossa caixa d’agua), do Pantanal, dos Pampas, da Amazônia; a tragédia de Petrópolis; a contaminação criminosa dos lençóis freáticos com venenos; e o Código Florestal que foi um importante avanço mas está sendo descaracterizado aos pouco.

Não daremos conta de debelar as mazelas da pobreza, da marginalização do povo pobre e preto que vive em condições sub-humanas na periferia, se não tomarmos as rédeas da soberania do país em nossas mãos e que foi usurpada nestes nefastos anos de neoliberalismo. Processo que continua hoje, mesmo com um governo como o do Presidente Lula. Não por opção do Presidente Lula, mas pelas forças que se apoderaram da nação brasileira. Lula resiste como um gigante.

A juventude do mundo todo se levanta contra o genocídio do sionismo contra o povo palestino. O que está acontecendo com os universitários brasileiros, sem nenhum movimento em defesa do povo palestino? Um governo popular e democrático precisa organizar o povo, elevar a consciência política e cidadã do povo brasileiro. O movimento sindical, mesmo debilitado, ainda é uma reserva de resistência. No passado, a igreja progressista católica participou de importantes lutas pela democracia do país, hoje, o espaço está sendo ocupado por pentecostais apoiados pelos sionistas.

A herança maldita de Fernando Henrique Cardoso, Temer e Bolsonaro, inegavelmente deixa em dificuldades o governo Lula: a estrutura produtiva, principalmente, às empresas estratégicas estatais privatizadas, um Congresso Nacional comandado por uma elite podre, uma mídia pró-imperialista, umas Forças Armadas golpistas.  Tudo isto existe, e decisões políticas precisam ser tomadas com urgência para reverter esta situação. Novas calamidades climáticas seguramente irão ocorrer. É o momento de fortalecer politicamente as organizações sociais, e aproveitar este momento de solidariedade que o povo brasileiro demonstrou com o sofrimento do povo do Rio Grande do Sul para elevar a consciência política. A ação da vanguarda e da militância não pode concentrar-se só na “luta” parlamentar e nas eleições.

É inadmissível que o governo democrático e popular não constitua e nem apoie uma grande rede pública e de comunicação popular. É injustificável, diante dos ataques já sofridos nas gestões presidenciais anteriores do PT, e nas de hoje, onde as forças imperialistas investem pesadamente nos seus meios de comunicação.

Há uma guerra híbrida contra a soberania nacional. O imperialismo está perdendo na guerra da Ucrânia; o sionismo está sendo desmascarado mundialmente – já não cola mais se fazerem de vítimas do holocausto (que realmente existiu) para justificarem o domínio sobre vários países e o genocídio do povo palestino. Sob o efeito dominó da decadência dos EUA e da Europa, o imperialismo tratará de resguardar suas colônias na América do Sul. Já o fez com o golpe contra a Presidenta Dilma, a prisão de Lula e a operação Lava Jato. Está sustentando o otanista e sionista Milei e atentando contra Petro na Colômbia e Maduro na Venezuela.

Seguramente, um Projeto Nacional Soberano precisa contemplar o controle pelo Estado das principais riquezas do país que estão sendo dilapidadas. Há que executar:

– Um programa de substituição de importações e políticas de defesa da indústria nacional. Isso é possível, mesmo com a concorrência dos produtos chineses.
– A produção de insumos nacionais para a agricultura.
– Uma reforma agrária com a incorporação da mais avançada tecnologia para a agricultura familiar.
– Descentralização da produção do etanol com a incorporação da agricultura familiar através de centenas de micro-destilarias.
– Uma transição energética de forma descentralizada de renda e riqueza.
– Afirmar parcerias com países que têm uma política de ganha-ganha nas relações comerciais e tecnológicas, a exemplo, da parceria ilimitada entre a China e a Rússia. Incorporar-nos à Rota da Seda. Ao que parece o Governo Lula já discute privilegiar as compras governamentais com conteúdo nacional, a reconstrução da indústria naval e a retomada da reconstrução das refinarias de petróleo.

Este é um período da história com avanços tecnológicos fantásticos, mas não necessariamente, a favor da soberania nacional. Mas poderiam ser a favor da independência nacional e da inclusão do povo brasileiro e trabalhador. Como dito acima, na década de 80 o Brasil era mais industrializado e desenvolvido que a China. Se os chineses deram a volta por cima, e outros países, porque o Brasil não pode fazer o mesmo? Não se trata de um processo simples, sem luta política, sem mobilização popular. Precisamos levantar a bandeira da soberania nacional, de fortalecimento de um Estado, rumo a transformações sociais e revolucionárias. Este é o momento com o retorno do governo Lula, numa primeira derrota contra o lawfare. Há que apoiar-se inclusive na crise do Judiciário e dos juízes progressistas que possibilitaram este passo. Uma política a “meia boca” não tirará o Brasil da atual situação de submissão a elite nacional entreguista e as forças imperialistas. Retomar o desenvolvimento das empresas nacionais, a exemplo da indústria da construção civil e pesada, destruída pela operação criminosa da Lava Jato. O Brasil ainda tem um grande cabedal de inteligência e capacidade produtiva que pode estar a favor do povo brasileiro.

Comitê Editorial
25/05/2024

 

 

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