Uma abordagem numa perspectiva da SOBERANIA ALIMENTAR E SUSTENTABILIDADE/BIODIVERSIDADE
Conforme a Embrapa, o Brasil produz alimentos para 800 milhões de pessoas no mundo. Os principais produtores de alimentos são: EUA, Canadá, Argentina, Índia e China.
O Brasil produz 275,5 milhões de toneladas de grãos para o ciclo 2021/2022, com destaque para soja e milho, seguido do trigo, sorgo, feijão e arroz, boa parte exportada ou processada internamente para produção por exemplo de óleo de soja, também exportado em parte. Por outro lado, 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa são produzidos por pequenos e médios produtores rurais, em sua maioria caracterizados como agricultura familiar mesmo detendo menos de ¼ da área.
Conforme a Rede Brasileira de Pesquisa de Soberania, Segurança Alimentar e Nutricional de uma população de 212 milhões de brasileiros, 125 milhões encontram-se em insegurança alimentar, sendo deste total, 28% em situação leve, 15% em situação moderada e 15% aguda.
Define-se como insegurança alimentar leve quando há preocupação com o acesso a alimento no futuro, podendo haver indisponibilidade de alimento numa época do ano. Moderado quando há restrição de variedade, quantidade e qualidade. Aguda ou grave quando não é possível fazer nenhuma refeição por um ou mais dias. Assim, 33 milhões de brasileiros passam fome, 14 milhões a mais que em 2020. A fome não é um fenômeno natural, não acontece por acaso pois trata-se de desigualdades estruturais, referente a renda, gênero, racial e regional.
Conforme a FAO, em 2014 o Brasil foi protagonista de uma das campanhas mais bem-sucedidas contra a insegurança alimentar do mundo, reduziu a proporção de cidadãos que passam fome para 1,7% da população, ou 3,4 milhões de habitantes, e superou o problema da pobreza extrema.
Portanto, com produção de grãos e carnes no Brasil não há nenhuma justificativa para que haja brasileiros passando fome. Trata-se de um modelo econômico que se caracteriza por profunda concentração de renda e riqueza, a começar com a concentração de terra.
Ninguém está propondo acabar com a produção de grãos originária da chamada agricultura convencional de uma hora para outra, mas defendemos urgentemente transitar para um modelo agroecológico, com desconcentração fundiária, uma reforma agrária, valorização da nossa biodiversidade e do homem e da mulher do campo.
A grande mídia vende a ideia de que o “Agro é Pop” como solução para os problemas do país, em virtude da entrada de divisas nas exportações, contribuindo para o saldo positivo da balança comercial. Entretanto, precisamos ver criticamente a situação do Agro é Pop (propaganda financiada por multinacionais detentoras de mercado de fertilizantes, sementes, veneno e comercialização).
Vejamos alguns problemas. Em primeiro lugar, é uma agricultura voltada à exportação de commodities, traz divisas para o país, mas com um custo enorme. Vejamos por quê? Em primeiro lugar quase que não paga imposto de exportação, em virtude da famigerada Lei Kandir, implantada durante o governo de FHC. Em segundo lugar, é uma agricultura dependente em 85% do fornecimento de insumos e fertilizantes do exterior. Com o conflito na Ucrânia, esta situação ficou mais evidente. O pacote tecnológico impõe a utilização de sementes transgênicas, e junto à utilização de venenos para combate às pragas. O Brasil é um dos maiores consumidores de veneno do mundo; venenos que já foram banidos nos seus países de origem. Sofremos uma devastação dos nossos biomas, a contaminação das águas, e consequentemente, o aumento de doenças dos trabalhadores e trabalhadoras e da população, sobrecarregando o SUS.
Cabe registrar que estes venenos estão afetando a existência das abelhas. Plantas que tem reprodução sexuada precisam das abelhas e outros polinizadores. Sem abelha não tem vida. Os agrotóxicos chamados neonecotinóide estão afetando a capacidade de orientação das abelhas diminuindo seu voo até morrer. Utilizamos 150 agrotóxicos proibidos em outros países. As abelhas são um dos polinizadores mais importantes para caminharmos para uma transição agroecológica.
Cabe registrar que a privatização de parte da Petrobrás tem impactado negativamente não só na alta dos combustíveis como na agricultura. O atual governo se desfez em 2021 da refinaria Landulpho Alves na Bahia, da refinaria Isaac Sabbá (Amazonas) e da Unidade de Industrialização do Xisto no Paraná. A Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados, na Região Metropolitana de Curitiba/PR, depois de recordes de produção em 2014 e 2015 foi abandonada pelo Governo Temer, agora, vendida para empresários estrangeiros.
E o atual governo está anunciando a privatização das refinarias de Abreu e Lima em Pernambuco, Presidente Getúlio Vargas no Paraná e Alberto Pasqualini no Rio Grande do Sul.
Diante da crise brutal de falta de fertilizantes no mundo, se faz necessário que o estado retome o controle da Petrobras em toda a sua cadeia desde o poço até o posto, com inclusão do setor de energias renováveis.
Diante deste breve diagnóstico, propomos:
– Defender um programa de transição da agricultura convencional para uma agricultura agroecológico e orgânica, urgentemente;
– Retomar o programa de reforma agrária, possibilitando a desconcentração da terra, problema resolvido em vários países do mundo;
– Modificar a Lei Kandir para tributar as exportações de commodities de alimentos;
– Retomar a produção de fertilizantes por parte da Petrobras;
– Concentrar recursos financeiros em pesquisa para o desenvolvimento de tecnologias agrícolas que eliminem a dependência da importação de insumos e a eliminação dos agrotóxicos. Junto com a Embrapa, existem vários centros de pesquisas que precisam ser potencializados em conjunto com o resgate do saber popular; fortalecimento da pesquisa e utilização da leguminosa, cratylia e outras plantas para adubação verde e alimentação animal.
– Potencializar a implantação de biofábricas descentralizadas, produção de bioinsumos, utilização de adubação verde, preservação do solo, compostagem, centros de controle biológico de pragas, rotação de cultura, agroflorestas, centros de preservação e utilização de sementes crioulas e sementes orgânicas versus sementes transgênicas controladas pelas multinacionais; substituição de insumos e fertilizantes por produtos nacionais como por exemplo a utilização de rochas; utilização de insumos microbiológicos sem manipulação genética.
– Se faz necessário analisar a externalidade da agricultura convencional tendo em vista o custo para a sociedade com a poluição das águas subterrâneas com venenos, levando a um processo irreversível, desmatamento indiscriminadamente, queimadas indevidas, e principalmente, o adoecer do homem e da mulher no campo com a utilização de venenos na agricultura. É possível realizar agricultura agroecológica em grande escala com utilização de rocha, microorganismos e etc. Estamos falando de uma agricultura regenerativa com uma diminuição de 40% do custo de produção, com melhoria da estrutura biológica do solo.
– Fortalecer as Universidades, Institutos Federais, as Ematers possibilitando que a ciência se transforme em conhecimento a ser aplicado no campo.
– Fortalecimento das Comissões de Produção de Alimentos Orgânicos CPOrg-s nos estados, comissões formada por entidades governamentais e não governamentais.
– Fortalecimento do crédito agrícola.
– Fortalecimento das agroindústrias.
– Implantação de sistema fotovoltaico nas propriedades e nas agroindústrias e processo de irrigação. Desenvolvimento pleno de um programa de energias renováveis, como por exemplo, a implantação de microdestilarias de etanol nas pequenas e médias propriedades cujo programa possibilitaria a tão necessária reindustrialização do país com tecnologia nacional, sem pagamento de royalty para empresas multinacionais.
Combate a insegurança alimentar e fortalecimento da agricultura familiar
No Brasil não há um problema de disponibilidade de alimentos, mas sim de acesso econômico aos alimentos. Propomos:
– Valorização do salário mínimo
– Criação de empregos no campo e na cidade
– Resgatar urgentemente a implantação do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar – PAA no âmbito da Conab, e nas suas modalidades de doação simultânea, formação de estoques reguladores, para fornecimentos de cestas básicas a população em insegurança alimentar, PAA estadual, municipal e comprar institucionais;
– Fortalecer as compras no PAA pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, com o aumento do repasse financeiro per capita por aluno, recurso repassado obrigatoriamente para as escolas realizarem as compras para a alimentação escolar. Implantação do ensino em tempo integral e fornecimento da alimentação escolar em período de férias, pois com a crise econômica a insegurança alimentar chegou nos lares com crianças nas escolas públicas;
– Fornecimento de cestas básicas para populações em insegurança alimentar;
– Fortalecimento dos programas da Conab como venda em balcão de milho, e formação de estoques reguladores como preconiza a constituição federal, uma questão de soberania alimentar;
– Fortalecimento da implantação de feiras livres;
– Fortalecimento e implantação de feiras agroecológicas e orgânicas
– Implantação dos restaurantes populares;
– Fortalecimento dos pontos de vendas populares.
– Dinamização da implantação de hortas urbanas comunitárias.
Eduardo Dumont – economista, com especialização em políticas públicas voltadas para agricultura e segurança alimentar.
Belo Horizonte – 15/08/2022
Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento – Conab; Rede Brasileira de Pesquisa de Soberania, Segurança Alimentar e Nutricional; e Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura –FAO/ONU, EMBRAPA.
Crédito Foto: Brasil247