Uma grande preocupação pairou no ar durante estes dias de protesto do Corpo de policiais da província de Buenos Aires. Apesar de justas as reivindicações trabalhistas, foi altamente rechaçado o método de protesto utilizado pela corporação, uniformizada e com posse de armas. Armas pagadas pelo Estado que devem servir à proteção do povo. Circundar a residência presidencial nestas condições, constitui um ato anticonstitucional, de tentativa de destituição e de sedição. A mídia hegemônica, como sempre, acompanhou os protestos produzindo um show desestabilizador chispando a violência e o medo, num clima de insegurança social pela Pandemia, e pelos fantasmas golpistas circundando a região.
Diversos movimentos sociais e representantes políticos da Frente De Todos, e até parlamentares opositores, incluindo alguns do JxC (menos Macri), Centrais Sindicais, prefeitos, governadores, Organizações pelos Direitos Humanos (Mães e avós de Praça de Maio) e intelectuais condenaram a manifestação policial armada frente a Olivos. O comunicado da CGT condenou o “excesso de uma reclamação legítima”: “a defesa dos direitos trabalhistas dos integrantes dessa Força transformou-se com o passar das horas numa ameaça real para o normal funcionamento do Estado”. As duas CTAs também se pronunciaram e Hugo Yasky da CTA dos Argentinos apelou à Policia de Buenos Aires: “não converter o protesto numa espécie de ato sedicioso”.
Por trás da bandeira nacional argentina e reivindicações salariais, forças políticas opositoras, orquestradas pela corporação midiática (Clarin, La Nación, TN), tentaram inflar um movimento de uma Força civil armada, não sindicalizada, sem porta-voz de referência, onde policiais aposentados, ou afastados por problemas psíquicos assumiam as telas e os microfones das TVs, conduzindo ações intransigentes, e condenatórias, num tom de extorsão à democracia com armas, exigindo a presença física do presidente Alberto Fernandez e do governador Axel Kicillof. O clima de sedição se junta ao episódio de um cidadão “desequilibrado” que jogou no mesmo dia uma bomba molotov dentro dos muros de Olivos. O risco da instrumentalização política de uma reivindicação salarial justa de muitos trabalhadores policiais que se mantiveram nos seus postos de trabalho, foi enorme, fazendo-se conexão com a fala ameaçadora do ex-presidente Duhalde, semanas atrás, sobre o perigo de um novo golpe de estado na Argentina.
Não há dúvidas de que o protesto tempestivo dos policiais da província de Buenos Aires, a mais populosa da Argentina, evidenciou nestes três dias de protesto, a extrema precariedade salarial, de condições de trabalho e atenção psico-sanitária dos trabalhadores da segurança, incluindo seus familiares; sendo uma categoria essencial, sua situação agravou-se no contexto estressante da Pandemia, acumulando transtornos pelo abandono, falta de pagamentos, sob a gestão anterior do governo macrista que, com o engodo da consigna eleitoral “investir em segurança”, esteve sempre à mercê de interesses obscuros e narcotraficantes.
Alberto Fernandez, com destreza política, circundado pelo protesto policial, convocou uma reunião com o governador Axel Kicillof e dezenas de prefeitos da província de Buenos Aires e fez, do interior de Olivos, o seu discurso que mais que uma negociação, foi um anúncio firme, reiterando sua concepção democrática e popular, metas e soluções frente às reivindicações da Polícia Provincial, desarmando qualquer intensão de sedição. Chamou a que os oficiais “deponham democraticamente a atitude”. Alberto assegurou que “não vai aceitar o modo de protestar” e “nem tudo está permitido na hora de reclamar”; contemplou como justa as reivindicações ignoradas pela gestão anterior e anunciou a criação de um Fundo de Fortalecimento Financeiro da província, decidindo recuperar 1% da quota de coparticipação federal decretada por Macri em 2016, atribuída em excesso de 2 pontos para a cidade de Buenos Aires; havia passado de 1,4% (em 2013) a 3,75% (em 2016). Com a recuperação desse 1% decretada pelo governo nacional, a Província passa a receber o equivalente a 35 bilhões de pesos ao ano para suprir as necessidades da Segurança e outras mais. O governo nacional se dispôs a resolver a enorme disparidade de recursos entre a capital federal rica e a província pobre de Buenos Aires, com cerca de 3 milhões e 17 milhões de habitantes respectivamente. A província contribui com 40% ao Fundo de coparticipação, mas tem recebido somente 20% do mesmo. Há uma brecha salarial significativa a desfavor do policial da província frente a problemas extremados de desconforto social na periferia. O gasto per capita do Estado para um cidadão na cidade de Buenos Aires é o dobro da província. Dezenove governadores de todo o país, apoiaram o decreto. Porém, o prefeito Horacio Larreta (JxC) da capital, decidiu apelar à Corte Suprema de Justiça e não aceitar a medida. Por aí se evidencia sua intenção política de disputar a candidatura presidencial por JxC, revelando também que não é alheio às forças políticas desestabilizantes do país neste momento. O governo nacional contestou pois, nos últimos meses, o Estado concedeu à capital mais de 47 milhões de pesos para pagar os vários bônus de emergência à população.
O governador Axel Kicillof, anunciou um plano integral de Segurança, onde o Estado fez uma proposta audaz de aumento salarial aos 39.581 oficiais (incluindo agentes de serviço penitenciário) para 44 mil pesos, somados a 5 mil pesos para compra de uniformes e triplicou o valor da hora-extra, equiparando ao salário da Polícia Federal. Reiterou firmemente a necessidade de uma salto de qualidade na formação profissional e humana do policial, cobrando maiores exigências e obrigações. Decidiu construir 2 hospitais de atenção específica aos policiais e criar um Instituto Universitário para a sua formação cultural à altura de padrões internacionais.
Não é casual que a oposição exacerbe o ataque à gestão e à união Alberto/Cristina/Kicillof tratando de desestabilizá-las, sem resultados. Logicamente, a oposição é de classe, não defende a prevenção anti-covid19, ignora o apelo do pessoal médico e esparge a morte. A mídia hegemônica é o carro-chefe opositor na Argentina e intensifica sua histeria às vésperas da votação da Reforma Judicial, do projeto de taxação extraordinária das grandes fortunas, do avanço dos processos contra a espionagem ilegal de Macri no emaranhado do “lawfare” argentino, do destape das manobras da agro-exportadora Vicentin, do controle estatal sobre as tarifas das empresas de Telecomunicações; tudo somado ao bom sucesso das negociações da dívida externa com os credores internacionais. O obstrucionismo dos parlamentares do Juntos por el Cambio (JxC) contra as sessões virtuais– opondo-se à forma, para boicotar o conteúdo e adiar as votações – adquire um olor anti-institucional e golpista.
O alerta, paira no ar. A reestruturação das Forças policiais ou militares em função do bem social e da pátria requer medidas contundentes, justiça verdadeira e formação de consciência. A atuação do ex-presidente e coronel Hugo Chávez foi o melhor exemplo nesse sentido e por isso a Venezuela, tão combatida, sobrevive. Muitos analistas comparam os eventos ocorridos ontem em Olivos com a insurgência da Polícia contra Rafael Correa e Evo Morales. Vale refletir sobre o que falhou nos governos progressistas do Equador e da Bolívia para garantir um “Nunca mais” na Argentina. Na mensagem do dia 7 de setembro, Lula demonstrou ser o líder decisivo para concretizar já, não em 2022, a defesa da vida, a sobrevivência e independência nacional do povo brasileiro. A repudiável ameaça policial contra o advogado de Lula, Cristiano Zanin, demonstra que o poder Judiciário no Brasil ainda vacila em estar ao lado do povo, honrar a constituição e romper com a Lava Jato e o “lawfare” que ronda a América Latina.
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