Reflexões sobre a derrota eleitoral da UP na Argentina


Reflexões e balanços sobre a derrota eleitoral da UP

“Certamente, há que refletir porque algo inédito sucedeu neste momento histórico, porque não existe possibilidade alguma de encontrar um elemento registrável na história humana, desde a vigência da democracia, o que sucedeu no movimento que ganhou as eleições de 19 de novembro elegendo o Milei, Presidente da República, e que foi afastado na composição do seu governo por forças políticas, que saíram em terceiro e quarto lugar nas primárias (PASO), encabeçadas por Bullrich-Schiaretti, com o bastão de Macri, no meio de uma disputa feroz, envolvidos na lama da casta que prometeu eliminar. Se juntaram todos encobertos por um “fraude político” de Milei e da Liberdade Avança, numa bandeira de classe do poder financeiro internacional.”(H.C. – CTA)

Por um lado, e não somente, resulta uma falha na direção política do peronismo, que Cristina sozinha não conseguiu centralizar como na década da gestão kirchnerista. Seja pelas ensurdecidas diferenças com o reformismo de Alberto Fernandez, ausência de equipe, e debate interno construtivo. Seja por fatos objetivos como a perseguição da Corte Judicial imposta pela oligarquia financeira extra-territorial, dona da mídia hegemônica, embasando um atentado à vice-presidenta Kirchner (cujos autores, impunes passeiam pelo Congresso argentino). Seja pela inconclusa Reforma Judicial e não correção a tempo nos rumos da economia a favor de uma política distributiva e anti-inflacionária. A mudança de Guzman para o Massa, deu início a freios ao FMI e abriu portas à China e ao BRICS; melhorou a comunicação e a relação com as massas. Porém, tardiamente; não chegou a tempo. A rapidez em tomar decisões contam, e muito, em tempos de guerra.

O atraso nas políticas estatizantes, foi fatal. A sua aceleração estava na ordem do dia, com a construção do Gasoduto Nestor Kirchner.  A questão de Vicentin e da necessidade do monopólio estatal da distribuição dos alimentos e comércio exterior estavam à ordem do dia para opor-se à alta inflacionária induzida pelos monopólios financeiros. A direita identificou a avançada de Massa, o risco, e deu o golpe eleitoral. Um libertário fascista e sionista, contra o Estado e a justiça social, assumiu na Argentina, por vias democráticas parlamentares. Um golpe brando que abre vias ao golpe violento e de classe.

A questão comunicacional, além da insuficiente utilização das TVs Públicas e institucionais, mas também das redes sociais, da dita “inteligência artificial” são instrumentos de guerra da nova era que têm sido insuficientemente contabilizados na batalha política. Foram previstos os riscos do descontento social, mas não o alcance da campanha silenciosa das redes sociais, dos tik-toks de ódio e mentiras contra o kirchnerismo, manipulados por expertos formadores de opinião da CIA e do império nesta nova era, envenenando consciências. O que é seguro e anunciado no discurso de posse de Milei é que “os ajustes de choque são inevitáveis”. No seu discurso, preparou o seu eleitorado de que não fará nada do prometido, pois a culpa é da “herança kirchnerista”: “– não deixaram dinheiro!”. Constatou-se na micro-militância, corpo a corpo, na rua, no comércio e vizinhanças, e na juventude (utente de celulares), que o peronismo estava perdendo a batalha cultural de base.

O discurso de ódio aos kirchneristas, o “fim do peronismo” persiste como bandeira libertária no Parlamento. Esse tem sido e continua sendo o centro das intervenções dos deputados oficialistas e vendidos na defesa do DNU de Milei. Nenhum relato ou explicação na defesa das leis contidas no “ônibus” ou no DNU; nada sobre o presente e o futuro da nação; somente a “herança maldita do kirchnerismo”, falsificando dados, para justificar centenas de novas leis de saqueio do Estado, da venda da soberania nacional, da destruição de direitos e da repressão social.

O Brasil também é um exemplo de como o problema comunicacional e das falsas narrativas não está resolvido. Já foi vivido com a vitória de Bolsonaro (2018). O bolsonarismo, com apoio dos evangélicos, não está morto; está na despolitização do povo, e armado pelos milicianos do ódio e do narcotráfico. Agora, com a famíalia Milei, se reanimaram no Brasil. Lula e o PT, devem acelerar os passos. Há que correr sem parar contra o relógio dos próximos 3 anos. Além de retomar o funcionamento das TVs e rádios comunitárias, mas controlar as redes de internet. O STF ainda não venceu a batalha judicial contra os agentes das fakenews desestabilizantes. A justiça verdadeira deve romper a impunidade do clã Bolsonaro de forma irreversível. Veja-se o exemplo da justiça argentina que não funcionou para impedir a livre circulação dos promotores do atentado à ex-vice-presidenta Cristina Kirchner. Assim, voltaram ao governo e ao poder.

É necessário que a batalha político-cultural sobre a realidade dos povos oprimidos conte com avanços tecnológicos fora do controle dos EUA. A China já se potencializa nesse campo. Forma e conteúdo devem ir de mãos dadas. É inadmissível que as verdades morram sob os escombros do massacre ao povo palestino e ao Hamas em Gaza; que as razões da intervenção da Rússia de Putin na Ucrânia não cheguem. A TV Sputnik e RT russas saem do ar em vários países da Europa. A batalha está nas redes de comunicação, no éter, e também nas ruas. O Brasil com Lula da Vila Euclides não deve perder a oportunidade de retomar a micro militância dos bairros, das comunidades eclesiais católicas de base, dos orçamentos participativos nos municípios do PT e aliados (tema das próximas eleições municipais). Resgatar a democracia participativa junto à representativa (eleições). Deputados e vereadores devem ser porta-vozes autocríticos e construtores das medidas do governo Lula.

O tema é muito complexo, a evolução das medidas e reações políticas imprevisíveis e, os ritmos e prazos no país estão à mercê da agudização da guerra contra o povo palestino em Gaza, e os riscos de uma eclosão da 3ª. guerra mundial incontrolável e atômica. A eleição de Milei vai na contramão dos esforços pela paz, das gigantescas manifestações mundiais pela Palestina, e sinalizados na condenação da Corte Internacional de Justiça (C.I.J.) ao genocídio de Israel. A elucubração libertária argentina em Davos retrocede a um século, enquanto os próprios governos capitalistas da Europa em crise, alardeiam diante da rebelião contra a redução do Estado de bem-estar social devido à guerra da Otan. Lula, consciente de que o Brasil, como a América Latina está sob assédio da guerra de domínio das corporações financeiras contra as soberanias nacionais e a vida do povo brasileiro, não hesitou em apoiar a África do Sul na C.I.J. contra Israel. Avançar na guerra contra Gaza, é avançar rumo à destruição da humanidade. São inevitáveis as guerras preventivas e os envolvimentos da Rússia, China e Irã junto ao Yemen.

O anúncio do DNU (Decreto de Necessidade e Urgência) na Argentina (*), sem urgência e oposta às necessidades dos pobres, trabalhadores e aposentados, responde ao desespero e à urgência corporativa do grande capital; e o ônibus das leis anti-sociais e inconstitucionais, nos primeiros dias de governo de Milei, em pleno período de férias e festas familiares, é ao ritmo e crueldade da guerra. Como muitos já disseram: Milei é Zelenski, e sionista.

Haveria que refletir sobre os limites dessa situação “pendular”, na batalha democrática eleitoral. A alternância constante entre governos de direita e progressistas. Esgota-se a democracia burguesa, parlamentar? A democracia parlamentar coloca na Argentina um governo um fascista contra o Estado e a justiça social. Como se rompe rumo a um Governo Popular e daí ao Estado Revolucionário na ausência de uma direção tal qual foi a do ex-tenente-coronel Hugo Chávez? Como se faz, com um poder Judicial intacto e sem reeducar as Forças Armadas? J. Posadas escreveu muito sobre esse tema (**). No momento, a Venezuela, nos seus 25 anos de Revolução Bolivariana, resiste e dá o melhor exemplo neste rumo. A retomada da componente nacionalista militar (como foram Torres na Bolivia e Alvarado no Peru), presente na Venezuela atual, não faz parte do debate da vanguarda na Argentina, no Brasil, e em outros países da América Latina. A África, com Burkina Faso, Níger e Mali reintroduziram esse tema com Putin em São Petersburgo.

O chamado à defesa das Malvinas, foi um ponto importante do programa eleitoral de Sérgio Massa (UP). Cristina e antes Nestor Kirchner, foram sensíveis a conversar e tentar impulsionar uma corrente militar nacionalista. Houve o caso do general Milani, considerado “gorila” pela ultra-esquerda. Milani foi apoiado por Cristina Kirchner no Comando das Forças Armadas. A soberania nacional, a defesa das riquezas minerais, o lítio, as estatizações necessitam da atuação desse componente militar. Porque do outro lado, nos EUA, está Laura Richardson do Comando Sul ameaçando, e a direita militar e cúmplices dos genocidas na vice-presidência da Argentina, reassumindo postos nas Forças Armadas.

A Pátria e a Soberania nacional e popular dos povos da América Latina estão em perigo! Gustavo Petro na Colômbia convoca a mobilização popular contra o golpe de estado em curso. As forças progressistas e de esquerda da América Latina não devem se intimidar frente a campanha midiática contra a Venezuela com Maduro, e Cuba de Miguel Diaz-Canel. Não se trata de defender Venezuela e Cuba somente contra o bloqueio, mas por serem centros decisivos na construção da Frente antimperialista latino-americana junto à China/Rússia. A constituição do BRICS e as novas veias abertas para a rota chinesa são motivos de guerra dos EUA e golpes. Milei declarou de que lado está. Há que ver se mantém a palavra.

O saco de gatos e diversos interesses e setores do capital concentrado por trás deste governo Milei se expressa na variedade de leis e mãos desencontradas por trás da redação das mesmas e do DNU. Um saqueio na repartição do inesperado poder, via fraude eleitoral. A adesão dos eleitores de Milei é só 30%, que não é pouco, mas não corresponde aos 55% do segundo turno com o apoio do macrismo. Esses 30% são de um setor vacilante na sociedade que fizeram essa opção por cansaço de falta de soluções en 8 anos de governos que não fizeram nada por resolvê-los. Votam pela direita, mas não são ideologicamente de direita. A greve geral promovida pelos sindicatos na Argentina e a multitudinária manifestação do dia 24 demonstram que não será fácil Milei governar.  O peronismo não está morto e não faltará muito para que os 30% do eleitorado de Milei lhe dê as costas.

Comitê de Redação

(*) Veja artigo específico sobre o DNU e as manifestações opositoras
https://posadistashoje.com.br/wp-admin/post.php?post=5147&action=edit

(**) Sugestão de leitura neste site: O Estado revolucionário e a transição ao socialismo
https://posadistashoje.com.br/wp-content/uploads/2019/09/El-Estado-revoluciona%CC%81rio-y-la-transicio%CC%81n-al-socialismo.pdf

Foto destaque: 24 de março 2024 (AFP)

 

 

 

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