Não há como analisar o processo político no Brasil, uma economia de extensão continental e de dimensões sociais das mais potentes na América do Sul, fora do contexto mundial abalado com a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, seus ditos e resoluções.
A desestruturação da URSS em 1990 levou a falsas interpretações sobre o fim do socialismo e o triunfo do capitalismo. Os fatos da história têm demonstrado o contrário. Quem está em crise é o capitalismo. As bravatas de Trump nada mais são do que uma reação do imperialismo, materializada no sionismo agonizante que não quer deixar de vez a história sem perpetrar genocídio contra mais de 40 mil palestinos. E serão capazes de lançar mão, como sistema, de uma guerra atômica para tentar sobreviver.
Trump coloca a solução da crise da economia nos EUA, como se a taxação das importações fossem resolver o problema da desindustrialização dos EUA. Ledo engano. A questão não é uma taxa maior ou menor das importações. A questão é que o modo de produção capitalista atual dos EUA é resultado de uma economia financeirizada; de um parque tecnológico sucateado; de um transporte ferroviário obsoleto; da incapacidade do Estado de financiar inovações tecnológicas, priorizando apenas investimentos pesados na iniciativa privada; resultado de um sistema político em total decadência, onde quem manda e elege os deputados, senadores e o presidente da república são a grandes fortunas; resultado de se privilegiar a indústria da guerra e das tantas derrotas neste interim; é o resultado do fracasso das políticas neoliberais. Mais do que isto, é resultado da exploração do povo norte-americano que se viu desprovido de uma política pública de saúde, de educação. É resultado de uma sociedade que se viu prisioneira do ódio, da discriminação histórica contra os negros, e agora exacerbada contra os migrantes, enfim, uma guerra civil permanente. As mensagens e ações do seu maior representante é de terror contra a humanidade, em nome da defesa de seu país. Isto não tem perspectiva histórica. O que lhe resta ainda, o poder do dólar e o poder militar está em cheque com o desenvolvimento de um mundo multipolar.
Não há perspectivas aos EUA para enfrentar a China, seu maior competidor econômico, tecnológico e social. Com a Revolução Chinesa de 1949, a China interrompeu o “século de humilhação” e resgatou a grande nação (5.000 anos). O país iniciou uma “governança chinesa com características socialistas”. Feito histórico, pois em três décadas tirou 700 milhões de chinesas da pobreza; os bancos majoritariamente são estatais; apresenta as mais avançadas tecnologias em todos os campos da economia, da saúde, da educação; comercializa com 134 países numa relação ganha-ganha; teve a capacidade de realizar parceria entre a iniciativa privada e o estado, atraindo investimentos e tecnologias para o país; a China é a economia estatal planificada que mais cresce no mundo, com reservas cambiais de 3,209 trilhões de dólares. Diferentemente do dito Ocidente, a China possui um sistema de cooperação multipartidária e de consulta política que se distingue dos sistemas políticos pluripartidários, bem como dos sistemas de partido único de outros países, e é um traço característico do seu modelo de governo. O Partido Comunista da China – PCCh e o governo contam com o apoio e o trabalho de inúmeras entidades, inclusive de oito partidos não comunistas que integram a Frente Patriótica Unida. A Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CCPPCh) é uma estrutura institucional de participação do povo na administração e supervisão do governo. A “governança chinesa com características socialistas” não quer ser um modelo a ser exportado, não almeja invadir nenhum país e não o faz como princípio, mas vai demonstrando como se constrói uma nação sem abrir mão dos princípios do marxismo.
As primeiras ações aplicadas por Trump como as deportações em massa de imigrantes, onde centenas de pessoas, legais ou não, são expulsas do país e enviadas de volta aos países de origem da forma cruel e desumana e as violentas sanções a países da América Latina como Cuba e México, são expressões reais da violência contra o ser humano, como em Gaza, reproduzidas por títeres como Milei, intrínsecas aos náufragos do sistema capitalista moribundo. A humanidade está a concentrar suas forças principalmente no desenvolvimento das relações humanas harmônicas tendo como base, a Revolução Russa e a Revolução Chinesa, unida às lutas dos povos pela igualdade e justiça social.
A disputa das taxas não é o fundo da questão. Estão surgindo outras relações humanas que se contrapõem. Não apenas a competição o avanço econômico da China, mas cultural, científico e humano. O surgimento dos BRICS, da Organização de Cooperação de Xangai, a Osean, a Celac, a Unasul, e o Mercosul vão construindo novos polos de poder e econômico. A Rota da Seda está em 134 países, numa relação de ganha-ganha para todos.
As bravatas de Trump se dão no mesmo momento em que é obrigado a concordar com Putin a retirada da Ucrânia, num flagrante descarte de Zelenski e derrota da ação conjunta com a OTAN. Se divide a unidade EUA-Otan. A burguesia europeia, se encontra cara a cara com as exigências da sua classe trabalhadora sem o entretenimento da guerra e a russofobia de parte das esquerdas.
A ambição de Trump vai além quando declara que o Canal do Panamá pertence à América, que vai controlar a Groenlândia, anexar o Canadá, mudando o nome do Golfo do México para Golfo da América e a mais recente e cínica proposta de ocupar Gaza e construir um “resort” em cima dos cadáveres vítimas do genocídio. É um sinal tenebroso da política sionista e fascista dos grandes consórcios industriais e financeiros globalizados representado pelo governo Trump. Não se trata de um mero teatro como pode parecer, mas sim um projeto político de dominação e de reposicionamento perante o mundo diante da decadência moral, econômica e política dos EUA. A força econômica do mundo multipolar através do BRICS, e o salto histórico da unificação da China-Rússia, são fatais para o imperialismo.
Mas Trump não pode ousar ensaiar um “plano Marshal” em Gaza, como no Japão depois do massacre em Hiroshima e Nagasaki. Os EUA não têm perspectiva econômica como na 2ª. Guerra mundial. E menos ainda, aceitação na consciência da humanidade que defende e não renuncia à Palestina Livre. A única incógnita é a traição das burguesias árabes fortalecidas com o retrocesso da Síria. Em contrapartida, no México, enquanto Trump vocifera, aumenta a resistência verbal e ativa da presidenta Claudia Sheinbaum.
Lula e Claudia Sheinbaum (Foto: R. Stuckert)
A atuação do governo Lula: aceleração e alertas
O Brasil de Lula endossa com outras nações da América Latina como Colômbia, Venezuela e México o repúdio às ameaças de Trump, seja na questão das deportações, cujos emigrantes são na sua maioria latinos, seja na atual política americana de protecionismo impondo altas taxas sobre as importações de produtos, de 25% no aço e alumínio atingindo em cheio as indústrias siderúrgicas brasileiras como a Usiminas a segunda maior exportadora de aço para os EUA, medidas não oficializadas mas que levou Lula a responder que: “Brasil tem direito a usar a lei da reciprocidade. Para nós, o que seria importante seria os EUA baixarem a taxação e nós baixarmos a taxação. Mas, se ele e qualquer país aumentar a taxação do Brasil, nós iremos taxá-los também. Isso é simples e democrático,” disse o presidente, mas, já engatilhando uma resposta e colocando na mesa a proposta de taxação das big techs, cujo papel tem sido o de atuar na preservação dos interesses dos EUA e de desestabilização dos governos progressistas e populares da A. Latina.
Dado que parte da exportação do aço é de semi-faturados brasileiros necessários à produção industrial nos EUA, a política protecionista de Trump poderá contar com uma reação interna norte-americana. As forças produtivas no Brasil, ainda poderão se impor nessa relação de forças. Ao mesmo tempo, havendo um projeto nacional industrial, parte do aço não exportado deve servir ao desenvolvimento produtivo interno. Vale discutir um plano junto à burguesia industrial brasileira e aliados. Não se restringir aos gritos dos que somente agitam a bandeira da redução fiscal. Como diz César Fonseca no seu artigo: “Seria ou não a hora do presidente Lula chamar ao diálogo nacional as forças produtivas, para enfrentar, politicamente, o perigo da recessão que o protecionismo trumpista produz, desacelerando oferta de emprego e crescimento econômico, que já está estruturalmente insuficiente? Capital e trabalho, ou seja, setor produtivo, demandam unidade política estratégica para enfrentar o rentismo, o capital financeiro especulativo, cujos interesses, se forem mantidos ou ampliados no cenário do protecionismo trumpista, levam o país ao abismo.”
Xi Jiping e Lula no G20 (Foto EBC: Agência Gov)
O governo Lula, um dos idealizadores do BRICs, é e será alvo permanente da política insana da extrema direita que governa os EUA e que alimenta seu fiel representante no Brasil, a família Bolsonaro que conta com as milícias, o crime organizado, parte do agronegócio e dos militares para manter vivo seu projeto de golpear o governo Lula, a esquerda e fortalecer uma aliança latinoamericana de extrema direita. Não há que ignorar que o grande financista Elon Musk é o co-presidente de Trump. O seu poder econômico e comunicacional envenena consciências e pesa em alguns setores da política exterior no Brasil que induziram ao não reconhecimento da eleição legítima do presidente da Venezuela. Não obstante, o presidente Maduro não caiu no jogo da direita e concedeu uma entrevista à Opera Mundi onde manifesta objetividade e reitera a unidade histórica com o governo de Lula. Crise com Lula é página virada..
E o exemplo mais visível da atuação do Mercado contra os planos de Lula, foi o assédio aos parlamentares para atuarem contra a proposta de ajuste fiscal do governo criando empecilho à economia do país e a aprovação do projeto que beneficiava a população mais carente. É o parlamento a serviço dos mais ricos. O risco de uma campanha feroz da elite brasileira até 2026 para impedir que Lula avance em seus projetos sociais e seja vitorioso nas próximas eleições é real e tem as ferramentas para isso: a mídia conservadora, a manipulação das redes sociais com o apoio das big techs, parte do Centrão que continuará chantageando e sabotando o governo e as fake news instrumento utilizado para golpear a presidente Dilma Rousseff.
A ambição da extrema direita no Brasil que tem o respaldo aberto do governo dos EUA, continua mais aguçada do que nunca, principalmente frente á possibilidade da prisão de Bolsonaro e dos financiadores do golpe de 8 de janeiro. Impedido de sair do país e com o passaporte retido, Bolsonaro tenta driblar o Supremo Tribunal Federal e o Ministério Público para escapar da prisão, mesmo com todas as provas de que foi articulador do golpe de 8 de janeiro que previa o assassinato de Lula, Geraldo Alkmin e Alexandre de Moraes.
A democracia brasileira permanece vulnerável e corre risco de novas tentativas de golpe para implantar um regime autoritário. Nestes 45 anos do Partido dos Trabalhadores, um bom momento para uma profunda reflexão sobre os governos do PT e os novos desafios frente a complexidade dos processos que ocorrem no mundo hoje. Certamente, não há que simplesmente analisar a crise do imperialismo, sua perda de hegemonia atual, sem dar uma saída de mobilização popular independente para uma alternativa de poder. Por isso, a atuação independente do PT, dos partidos de esquerda, sindicatos, da juventude e do MST é essencial.
O governo Lula não deveria ater-se às pesquisas de opinião pública, muitas vezes fraudadas pela direita e, sim, concentrar-se em acelerar a concretização do projeto de transformação social contra os monopólios financeiros, afirmando o poder econômico e comunicacional do Estado, via TV-Gov e TV Pública. Por exemplo, o aprofundamento do programa Minha Casa Minha Vida, o Programa de Aquisição de Alimentos e o Programa de Alimentação Escolar (que já contribuíram a que mais de 24 milhões deixassem o mapa da fome), a isenção do imposto de renda até 5 mil reais; tudo, deve ser anunciado didaticamente como investimento necessário para rebater o Mercado contra os pobres.
A questão comunicacional de Lula via TV-Gov diariamente deve ser um enfoque central, seguindo o exemplo de Claudia Sheinbaum e Lopez Obrador. Os prefeitos, vereadores, senadores e deputados do PT devem retomar a democracia dos bairros e a consulta popular dos orçamentos participativos e impulsionar a aplicação urgente de todos os projetos de governo, incluindo a reforma agrária. O funcionamento das comunas na Venezuela são um grande exemplo a seguir.
Comtê Editorial
14/02/2025
Foto destaque: Lula e Trump (crédito: El Espectador)