Eleições municipais: O necessário balanço para construir uma Frente Ampla de Esquerda e reconstruir o país


Para além do resultado do segundo turno das eleições municipais no Brasil ocorridas em 29 de novembro e que contou com o comparecimento nas urnas (70,53%) nas 57 cidades num total de 26.610.978 eleitores, uma abstenção recorde de (29,47%), num total de 11.116.373 eleitores que deixaram de votar e mais  3.379.302 entre brancos e nulos (12,7%), é fundamental que o PT e a esquerda, junto com o balanço eleitoral estabeleça uma ampla discussão sobre os próximos passos a tomar. Ter em conta que tem pela frente a enfrentar um corroído processo político no País cuja economia está entrando em seu estado de crise mais aguda com fortes sintomas de uma recessão, com indicadores apontando que será a maior da história da república e agravada pela catastrófica crise sanitária que já causou mais de 174.515 óbitos e beira a casa dos 7 milhões de casos confirmados. Foi nesse ambiente, aliado ao já corrompido processo democrático eleitoral que uma parcela razoável do eleitorado compareceu às urnas para cumprir seu exercício de cidadão, mas consciente de que seu voto pouco ou nada vai influenciar numa mudança necessária, radical e transformadora; desconfiança legítima e que foi gerada pela ausência de debates políticos coerentes, pelos ataques dos candidatos da direita, e pela falta de tempo e espaços dados pela mídia aos candidatos de esquerda e progressistas, favorecendo sempre os mesmos, os que têm em mãos o controle da máquina, dos veículos de comunicação e o apoio das burguesias para garantir a eleição de seus afilhados com o objetivo de defender seus interesses locais.

Saudar os candidatos da esquerda que se elegeram em muitas cidades e os que não se elegeram como Guilherme Boulos do (Psol), Manuela D’Ávila (PCdoB) e Luizianne Lins (PT); esses três, em particular, que disputaram capitais importantes como São Paulo, Porto Alegre e Fortaleza, respectivamente, e que fizeram uma campanha digna, sem dinheiro e se valeram das redes sociais para atrair uma forte base de eleitores, usaram das ruas com carreatas, a discussão olho no olho com o eleitor, quando era possível, apresentaram suas propostas e seus projetos políticos para cada uma das cidades e ainda tiveram o apoio do maior cabo eleitoral o ex-presidente Lula que, por conta da pandemia, não pôde estar lado a lado desses valorosos companheiros. Contudo, enfrentar essa máquina podre dos “coronéis” que não economizaram nos ataques machistas, nas fraudes, nas fake news, nas agressões verbais e ameaças contra candidatas mulheres, era preciso ter sangue nas veias; e essas verdadeiras guerreiras, ao não se ajoelharem e enfrentarem de pé e com coragem essa violência vinda dos adversários, demonstraram uma virtude inerente à maioria das mulheres. Esses companheiros perderam a eleição, mas ganham estatura política e se consolidam como importantes quadros dirigentes da esquerda, aptos a percorrer uma longa trajetória política.

Candidato Guillerme Boulos a prefeito de São Paulo (foto: UOL)

Guilherme Boulos, ao final da apuração, fez a declaração de que era preciso “atuar para unir a esquerda e tirar o Brasil do atoleiro”. Sim, esta é uma postura de alguém que se coloca como direção, como vanguarda das organizações sociais que nos últimos anos vem sendo enfraquecida, exatamente pela ausência de uma direção com esse perfil de Boulos, batalhador, que está há anos à frente da luta por moradia e em defesa dos sem tetos, enfrentando os governos estadual e municipal, os proprietários de terrenos ocupados e os especuladores imobiliários. Foi com essa atuação e esse pensamento, reforçando a necessidade de mudanças tão presente em seus discursos, que foi consagrado com 43% dos votos na maior cidade da América Latina, uma votação expressiva nas periferias de São Paulo; foi o voto e a confiança da população pobre e das favelas que garantiu a Boulos a condição de representante popular legítimo e essa é a sua disposição além de impulsionar e seguir adiante na construção de uma Frente de Esquerda Unida a exemplo do segundo turno, com capacidade de atrair a juventude, os movimentos negros, indígenas, das mulheres e gays, numa perspectiva de transformações profundas na sociedade, retirando-os do isolacionismo de simples agrupações identitárias e democráticas abstratas.

A vitória do campo conservador que levou a maioria dos municípios, acende um sinal de alerta para o PT e representa mais um forte motivo para se debater a importância da Frente de Esquerda. Contudo essa necessidade não deve se limitar a um projeto eleitoral, visando apenas as eleições de 2022 para presidente e governadores. O PT e a esquerda devem se preparar para o enfrentamento que será um dos mais duros. Neste sentido, é importante resgatar os acontecimentos anteriores a partir de 2005, quando o PT foi o principal alvo da direita e extrema direita, num movimento orquestrado por interesses internacionais e com a intervenção direta do governo norte americano que fabricou um Moro (o prófugo impune) e os juízes da Lava Jato; produziu a guerra jurídica-midiática por meio do lawfare, fazendo reféns instituições como o parlamento brasileiro e o STF e alimentando o papel da Globo e da grande mídia que foi letal na manipulação das informações, culminando na prisão dos principais dirigentes do PT, no impeachment de Dilma Rousseff em agosto de 2016 e na prisão do Lula em abril de 2018, por mais de um ano.

Assim se preparou o terreno para entregar a soberania nacional, vender a Petrobrás, a Eletrobrás, o Banco Central, os Correios, devastar a Amazônia, saquear o lítio, e promover o genocídio social e pandêmico, perseguir jornalistas “detratores” e assassinar dirigentes populares.  Assim a burguesia e seus extremos, sob o manto do grande capital financeiro internacional, atuam e atuarão sempre que seus interesses forem ameaçados. E uma oposição de esquerda dividida, fragilizada, sem uma base social fortemente organizada e mobilizada não será capaz de enfrentar essa máquina de fazer guerra. É hora de fazer um balanço de como o PT e a esquerda em geral se submeteram ao longo dos anos à concepção democrático burguesa, reduziu-se na estrita luta parlamentar e afastou-se dos orçamentos participativos, das comunidades eclesiais de base, dos assentamentos camponeses, das portas de fábrica, dos sindicatos, dos bairros, das escolas e das ruas. Indubitável que a pandemia do Covid-19 tem sido um fator de contenção, mas a desmobilização produto de falhas burocráticas e carências comunicacionais públicas e comunitárias da esquerda nos últimos anos é uma realidade a ser superada com urgência.  

A batalha comunicacional torna-se imprescindível em tempos onde a falsa democracia é dominada pelas fake-news, e a pregação do anti-petismo exala pela boca de pastores da igreja neopentecostal de massiva extensão, sobre uma espécie de lúmpen-proletariado e de classe média acomodada. A derrota dos candidatos da esquerda em Feira de Santana, Vitória da Conquista, Recife, Porto Alegre, Vitória e até São Paulo, é também produto dessa estratégia previamente disseminada de nocaute à democracia. Que democracia é essa? Nada a ver com o processo eleitoral límpido e democrático da Venezuela neste 6 de dezembro. Estamos vivendo no Brasil num estado de suspensão do Estado democrático de direito, onde não há limites entre a violência midiática da propaganda eleitoral da direita e as milícias organizadas fascistas que crescem e assaltam com plena impunidade dois Bancos e assediam uma cidade inteira como Criciúma. A derrota do extremismo de direita de Bolsonaro não é de se festejar, enquanto os neoliberais, a oligarquia e o capital financeiro se disfarçam movendo-se rumo ao chamado Centro-direita, e o dito Centro-esquerda usa as mesmas falsas bandeiras da anti-política, da anti-corrupção, dando voz à chispa enlouquecida de Ciro Gomes anti-PT, anti-PSOL, e anti-esquerda.

O Encontro Nacional do Partido dos Trabalhadores, a se realizar no dia 7 de dezembro deve avaliar a conjuntura do País à luz do acontecimentos recentes na América Latina que tem apresentado fortes sinais de resistência fragilizando a direita que, cada vez mais, perde força e espaço como foi na Argentina, que derrotou a política neoliberal imposta por Macri e trouxe Alberto Fernandez e Cristina Kirchner, aprovando medidas importantes como a taxação das grandes fortunas; na Bolívia cuja mobilização elegeu Luis Arce (MAS) e trouxe de volta Evo Morales; no Chile, onde o povo vitorioso num plebiscito histórico enterra a Constituição Pinochetista; sem contar as fortes mobilizações na Colômbia, Guatemala, e as próximas eleições no Equador que podem repetir o exemplo da Bolívia. São eventos a se levar em conta quando se analisa a conjuntura no Brasil que é parte deste continente. Vale lembrar que foi nos governos petistas que importantes avanços ocorreram na América Latina. É preciso resgatar esta força e experiência histórica, balanceando acertos e erros, político-programáticos, extrapolando a dimensão partidária do PT que, apesar de ser o maior partido de massas da esquerda, não contém toda a potência do movimento social atual. São elementos de análise que contribuem para fortalecer e ampliar um projeto político e fortalecer o campo da esquerda e das organizações sociais. 

Não há dúvidas de que o PT, mesmo com todos os ataques sofridos com o lawfare ao longo dos últimos anos, continua  a ser o maior Partido e com uma base social de extrema relevância; é o PT das massas, o PT que tira o sono da burguesia e da direita. O que falta é articular e mobilizar essa base, que vem dos sindicatos, dos movimentos sociais das periferias, do movimento estudantil. Retomar com audácia o discurso anticapitalista e de profundas transformações sociais, abandonado em boa parte pelo PT quando foi governo; retomar a defesa das estatizações, do nacionalismo histórico de Vargas e Brizola, unido às metas e práticas da Reconstrução Nacional do recente programa do PT. Unir o Partido e a esquerda em torno de um projeto político que contemple os mais pobres, os trabalhadores, os desempregados, a classe média, os excluídos, cidadão negros e índios, mulheres, dos guetos favelados, os camponeses, unidos a pequenos e médios agricultores e comerciantes. Neste momento qualquer discussão divisionista dentro do PT como a promulgada por Jacques Wagner que adota o mesmo discurso do campo conservador, que vê no Partido e principalmente em Lula uma ameaça a seus projetos políticos e econômicos, deve ser rechaçada. Trata-se de uma posição que não representa o anseio da base militante e das massas que querem ver Lula disputando as eleições em 2022 como o único capaz de derrotar o projeto da elite predadora.  O PT sem Lula se desmorona; é Lula quem dá vida ao Partido e esperança ao povo brasileiro. A questão central é trazer do debate político interno a conclusão que permita o partido avançar na perspectiva de retomar seu  projeto político de governo e investir na disputa para 2022 e isso só é possível com uma campanha massiva pela restituição dos direitos políticos de Lula que garanta o seu legítimo direito de ser o candidato das forças de esquerda.

A questão da crise no Partido não é geracional, como diz Jacques Wagner; é de falta de discussão e direção política. Lula continua sendo o principal protagonista no combate à ameaça da burguesia brasileira e internacional. Lula não é apenas o maior no Partido, mas no país e esse legado é intransferível. É um líder de massas que transcende o PT e o próprio Brasil. Lula é o abraço político e sincero com a juventude e a representatividade social de novos quadros como Boulos (PSOL) e Manuela D’ávila (PCdoB). O Nordeste brasileiro é vermelho, não só porque Lula é nordestino, mas porque é caravana e povo em movimento e não há outro. Apesar de falhas e carências, Lula é o operário e o sindicalista de Vila Euclides; dois anos de presidência dos excluídos, e uma década de Unasul, um ano de prisão e Vigília Lula Livre; estudos, experiência, revisões, ideias frescas e jovens, nada para aposentar. Quem tem que ser aposentado é o reformismo, da Frente Ampla abstrata, do anti-Bolsonaro, tentando calar em nome da democracia e interesses inconciliáveis, uma situação insustentável ao borde da explosão social no Brasil. É hora de soluções concretas e contundentes para as massas. Se há dirigentes do PT pensando em aposentar o Lula, correm o risco do Partido perder o trem da história e pulverizar-se. Tem razão José Genuíno e Breno Altman e outros que se pronunciam alertando ao momento crítico que vivemos. Enquanto alguns de maneira arrogante disputam o lugar do Lula sem a capacidade, a reverência e a sua importância no Brasil e no mundo, O PCO lança campanha pelo “Lula presidente 2022”. 

Comitê Editorial
Posadistas Hoje

04/11/2020

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