O Brasil no contexto mundial da cooperação China-Rússia


O Brasil no contexto mundial da cooperação China-Rússia

O livro de Ha-Joon Chang chamado “Chutando a Escada”  analisa muito bem o processo de desenvolvimento dos países capitalistas, constatando que os países capitalistas desenvolvidos ao subirem os degraus da escada do desenvolvimento nas suas economias, chutam a escada para que outros países não subam estes degraus, não se utilizem de políticas e as instituições que eles próprios usaram. Mantendo assim, sua hegemonia em determinados setores da economia global e aconselhando políticas neoliberais para estes países já abandonadas em seus países.

Será que este é o destino de todos os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento nesta nova ordem mundial? Será este o destino dos países da América do Sul?

No recente encontro entre os mandatários da China e da Rússia, podemos destacar: “Putin também observou que garantir a soberania tecnológica é a chave para o desenvolvimento sustentável da Rússia e da China…

Somando nosso rico potencial científico e capacidades de produção, a Rússia e a China podem se tornar líderes mundiais em tecnologias da informação, segurança de rede e inteligência artificial.”

O mundo, querendo ou não, está assistindo o advento de uma nova ordem mundial, para alguns chamada de multipolar. Na realidade, o mundo assiste a consolidação de uma nova ordem que tem como base as estruturas do que chamamos de “Estados operários” na China na Rússia, Cuba, Vietnã, as estruturas de países chamados nacionalistas revolucionários anti-imperialistas, como o Irã e a Síria.

Esta nova ordem não começou hoje. A intensificação das relações econômicas entre estes países, o abandono paulatino do dólar, a soberania tecnológica desses países, a melhoria das condições de vida das suas populações e a capacidade militar de enfrentar o inimigo, não começaram hoje. Estão recolhendo os resultados de políticas adotadas há 40 anos atrás, para não dizer desde a vitória da URSS na segunda guerra mundial contra o nazismo, naquele momento, representando o capitalismo. Ou querendo ser mais preciso, desde as revoluções nestes países.

A China teve como base, a estatização, a planificação e o controle operário e camponês com a revolução chinesa comandada por Mao-Tse-Tung. Passou pelas dificuldades da Revolução Cultural e o Grande Salto para posterior desenvolvimento de uma potente economia, militar e social aplicando reformas com predominância do controle do estado sob comando do Partido Comunista da China.

Todos os dois países são potências nucleares. A Rússia de Putin ressurgiu das cinzas da desestruturação da URSS, re-estatizando setores estratégicos da economia, como o petróleo e gás, o setor financeiro, estabelecendo acordos com a oligarquia sob as regras do Estado operário.

Hoje, assistimos à formação de vários blocos econômicos, com a intensificação das relações econômicas e políticas entre os países do mundo, a exemplo da Rota da Seda, inclusive com países da América do Sul. Há um processo em curso em que o imperialismo anglo americano já não tem controle.

Entretanto, o imperialismo anglo americano continua a fazer estragos no mundo, como a guerra na Ucrânia, os golpes de estado em várias partes do mundo, as crises financeiras e econômicas descarregadas nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. A pergunta mais específica em relação à América Sul é: conseguiremos sair das amarras da dominação imperialistas com as políticas adotadas pelos nossos governos progressistas?

O que podemos constatar é uma situação sanfona: ora um governo progressista com conquistas sociais, ora governos de direita com privatizações e retiradas de direitos sociais. Num cenário em que as instituições do poder mundial, foram construindo ao longo dos anos políticas que beneficiam os grandes grupos econômicos e financeiros, criando travas ao desenvolvimento dos países em busca da sua soberania nacional.

Macri na Argentina deixou uma dívida com o FMI que impõe grandes dificuldades para o desenvolvimento do país. Uma instituição internacional do capitalismo que impõe uma política de retrocesso econômicos e sociais num país não tem reservas cambiais para se proteger das crises da economia mundial. Passou por um processo de desindustrialização brutal. Uma inflação astronômica.

No Brasil, a independência do Banco Central, a privatização da Petrobrás, da Eletrobrás, a anterior privatização lesa pátria da Companhia Vale do Rio Doce, a desestruturação do estado, a retirada de direitos sociais por parte dos governos Temer e Bolsonaro criaram sérias dificuldades para o governo Lula. Também o Brasil passou por um processo de desindustrialização, inclusive durante os governos Lula, que buscaram criar o conteúdo nacional para a indústria naval, a Ceitec para o desenvolvimento da indústria de semicondutores, e a criação de um mercado interno com políticas sociais. Desindustrialização mesmo com um crescimento médio de 4,1% durante os seus oito anos de governo.

Portanto, temos uma combinação explosiva: os estragos feitos pelas políticas neoliberais mais o atraso tecnológico. Situação que tira a capacidade de concorrência internacional para a produção de produtos manufaturados destes países.

Voltando à questão da nova ordem mundial, o tal mundo multipolar; o que está acontecendo é que precisamos estar atentos às novas relações econômicas e políticas criadas pela unificação da Rússia e da China. Oportunidades que demandam decisões políticas voltadas para a soberania nacional; a exemplo, a proposta de criação da “OPEP do lítio” para a Argentina, Bolívia e Chile, detentores das maiores reservas do mineral do mundo. A reintegração do Brasil e da Argentina à Unasul se dão no contexto dessa cooperação Rússia-China.

Muito se fala, em manter relações neutras com todos os blocos econômicos, inclusive, com os EUA, também nosso parceiro comercial como a China, levando em consideração as disparidades comerciais a favor da China. Cabe lembrar que os EUA são os patrocinadores do golpe contra a Presidente Dilma. A operação lava jato, articulado por Moro e Cia, foi responsável por destruir a indústria da construção civil brasileira e consolidou as políticas de privatizações de importantes estatais, aprofundando a desindustrialização do país, numa conjuntura já desfavorável para a indústria nacional frente ao avanço da indústria em outros países.

O conflito na Ucrânia destampou “VERDADES” que são escondidas pela mídia ocidental. O capitalismo estadunidense está em crise e quer transferir esta crise para os outros países. Estampou que a política dos EUA é de guerra, imperialista, não importando que consequências tenha para os povos de todo o mundo. Agora, manifestações gigantescas das massas na Europa, na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha, na França contra a retirada de direitos sociais provado pela crise do capitalismo, contra as consequências do apoio dos governos da Europa à OTAN.

No meio a esta crise do capitalismo, do caos, da barbárie vão se elevando a consciência política de direções como Lopes Obrador e sua sintonia com as massas. Obrador reuniu milhares de pessoas em defesa da Soberania, contra a submissão, o intervencionismo, o racismo e em defesa da expropriação do petróleo, lembrando Lázaro Cárdenas, um nacionalista revolucionário. Em defesa da liberdade, da honestidade, da justiça, da igualdade.

Soberania que precisa ser traduzida para defesa das nossas riquezas como as nossas terras, as nossas águas, as riquezas hídricas e minerais. Querem destruir a Rússia para se apoderar de um país que tem uma das maiores reservas minerais do planeta, enquanto a Europa capitalista se prima destas riquezas, e seus governos com mentalidade de colonizadores se acham no direito de ir lá tomar de assalto estas riquezas, como fazem ou fizeram na África e América Latina.

São prazos e ritmos na luta travada por governos progressistas em vários países do mundo e em particular da América Latina.  O debate é como conduzir esta luta, de um governo popular a revolucionário, sendo realista com a correlação de forças, sabendo que o imperialismo está se movimentando para golpear. Ilusão nunca mais.

O governo Lula tem dado uma prova do seu compromisso com o povo pobre – com a implantação de dezena de políticas sociais importantíssimas a favor da população pobre – mas tem que tatear num campo minado: independência do Banco Central, leis das estatais, privatizações da Eletrobrás e de setores da Petrobrás, um Congresso com maioria de deputados e senadores de direita, privatizações do passado que minaram nossa capacidade de controle das riquezas nacionais, como a privatização da Vale do Rio Doce.

Seguramente, esta “paz”, que na realidade é uma guerra nas estruturas do poder, tem seus limites. Cabe ao governo Lula navegar junto à população, organizar e elevar a consciência política das massas, estimulando a comunicação em redes públicas de TV, e órgão de controle popular. Apropriar-se da conjuntura internacional e da correlação de forças mundiais com parceria como os recentes extraordinários acordos com a China. Unificar-se com os países progressistas da América Latina, adotando uma política de ganha-ganha intensa. Não há tempo a perder, ou ser lento, sabendo navegar numa conjuntura complicada. Em dois meses o Governo Lula adotou 30 ações importantíssimas em benefício das massas despossuídas.

A visita de Lula e sua equipe para estabelecer acordos bilaterais com a China, e a eleição de Dilma Rousseff à presidência do BRICS têm uma transcendência econômica e política para o Brasil e toda a América Latina. As parcerias dentro do BRICS tem que se pautar, aqui repetimos novamente, as ideias discutidas no encontro histórico entre Putin e Jixiping:  “Putin também observou que garantir a soberania tecnológica é a chave para o desenvolvimento sustentável da Rússia e da China”. Vamos nos juntar a este raciocínio para levar avante o desenvolvimento dos países da África, da América Latina, da Ásia e do mundo.

Eduardo Dumont
Pelo Comitê de Redação
9 de abril de 2023

Foto do Destaque: Yasuyoshi-Chiba-AFP

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