O poder concentrado, o do partido judicial-midiático, cujas raízes já sabemos onde estão, edificam lawfares que, abandonam o disfarce “suave” para ressuscitar o formato violento dos planos Condor dos anos 70, semeando sistematicamente o ódio, a intolerância e a violência (via meios hegemônicos, redes sociais e fake-news) contra Cristina e o kirchnerismo. Esse é o caldo de cultura que causou o terrível e falido atentado à vice-presidenta e duas vezes presidenta da Argentina, principal líder do peronismo, da “Pátria Grande”, que tem recebido, desde Lula ao Papa Francisco, uma maré de solidariedade de executivos e comités latino-americanos do mundo.
A gravidade desta tentativa de magnicídio que, por sorte do destino, falhou, é que em caso contrário, poderia ter desencadeado, imediatamente, uma trágica guerra civil de dimensões incalculáveis e incontroláveis para o povo-irmão argentino. Literalmente, o “tiro saiu pela culatra”: o fato gerou um efeito contrário à destruição e intimidação.
O povo argentino, em poucas horas se mobilizou pacificamente e ocupou as praças de todo o país neste histórico 2 de setembro. Uma multitudinária manifestação de 600 mil, entre militantes da Frente de Todos, de diversas organizações sindicais, sociais, pelos direitos humanos, e cidadãos comuns e famílias vindas dos bairros, se dirigiu e transbordou a Praça de Maio. “Todos por Cristina!”, em repúdio ao atentado, com lemas: “Não brinque com a democracia!”, “Não nos vencerão!.”, “Não toquem na Cristina!”; e tambores e cânticos: “Si le tocan a Cristina, que quilombo se vá armar!” (Se tocarem na Cristina, a coisa vai pegar!).O clima era de tristeza, preocupação e, ao mesmo tempo, de alegria pelos reencontros na rua. Em um palanque improvisado, diante da Casa Rosada, representantes do gabinete de governo, ministros, deputados, sindicalistas, governadores, prefeitos, mães e avós da Praça de Maio, leram um documentoconjunto “Ódio, nunca mais!”, com um “chamado à unidade, mas não a qualquer preço; o ódio, fora!”. Sob ovação, o ato finalizou com o canto multitudinário do hino nacional, carregado de emoção peronista. Assista.
História
Peronismo e memória, é o que não faltam na Argentina. O limite a que chegou a perseguição à figura política de Cristina com este atentado, abre um novo capítulo da história argentina. Em 1945, após a perseguição exercida por forças afins aos EUA, e a renúncia de Peron, aos cargos de vice-presidente, Ministro da Guerra e Secretário do Trabalho e da Previdência, e a sua deportação à Ilha Martin Garcia, o povo se levantou com fúria. No dia 17 de outubro de 1945, dia da Lealdade Peronista, centenas de milhares de trabalhadores encheram as ruas da capital, cruzaram pontes e rios, para libertá-lo e elegê-lo presidente em 1946. Em 1955, após implementar, com o Estado e a Constituição, várias conquistas nacionalistas e trabalhistas, Peron foi derrotado e exilado pela mesma oligarquia golpista, apesar da exemplar resistência do povo diante da Casa Rosada bombardeada, custando-lhe muitas vidas humanas. O poder de fato, neoliberal, oligárquico e financeiro, retomou nos anos 70 com repressão e mais de 30 mil desaparecidos. As premissas que levaram ao atentado contra Cristina indicam que esse poder é ainda vigente.
Ódio ou amor. Barbárie ou civilização
A perseguição e o ódio de classe burguesa em sintonia com a reativação da causa “Vialidad”desataram a solidariedade frente à casa de Cristina, convertida num verdadeiro santuário dos próceres. Estar diante desta porta, significa para o cidadão comum amor à justiça, defender a civilização dos 12 anos nos governos de Nestor e Cristina com inclusão social, direitos aos trabalhadores, aposentados e donas de casa, cultura, educação, soberania nacional e integração dos povos da América Latina. Os emocionantes depoimentos da militância, mas sobretudo das pessoas comuns dos bairros que saem do trabalho, ou chegam de bicicleta para vigiar a casa de Cristina, pontualmente televisionados pelo canal de TV C5N, as lágrimas, os cânticos, os pedidos de autógrafo no livro “Sinceramente”(CFK), são parte da memória e da história do povo argentino
Frente a isso se desata o ódio do poder real, a barbárie, a repressão da polícia da prefeitura macrista de Buenos Aires, sitiando a casa da vice-presidenta, com cercas, caminhões policiais e hidrantes, impedindo e golpeando seu filho e deputado da Frente de Todos, Máximo Kirchner. Desata-se a disputa interna da direita neo-liberal (PRO), entre o prefeito Larreta e a repressiva ex-ministra da segurança Patrícia Bullrich para ver quem é mais duro com os peronistas; até que o “crime anunciado” chegasse à porta de fato.
A direita quer acabar com o peronismo.
Socialmente, não lhe será tão fácil. É real que, por um lado, há um envenenamento cerebral sistemático da classe média, “normalizado” no Brasil pelos bolsonaristas. As fakenews e a mídia hegemônica veiculando, sem cessar, os atos minoritários violentos de segmentos fascistas, frente ao Instituto Pátria, à Casa Rosada, incitando o ódio e a violência contra Cristina, expondo sua imagem em bolsas negras mortuárias, forcas, guilhotinas e metralhadoras; sem contar, deputados opositores (JxC) que defendem a pena de morte contra kirchneristas, o livre uso das armas, fomentando o magnicídio.
Porém, há o outro lado da moeda: a composição social massiva da juventude entre os apoiadores de Cristina Kirchner, o que é um elemento relevante. Há uma maré de jovens, que sequer presenciaram o terror dos anos 70, que não consomem a droga midiática, mas aprendem dos livros de Peron e Evita e da velha guarda que os acompanha. Nos cordões operário-sindicais, da UOM à UOCRA também: nota-se uma geração de novos quadros. Os discursos unitários e combativos do velho Hugo Yasky (CTA dos Trabalhadores) sintonizam com o do jovem Pablo Moyano (CGT, caminhoneiros) tendendo a assumir a dianteira contra a burocracia sindical. Reunificou-se a Frente de Todos (FdT) pela esquerda. Até a Frente Pátria Grande, de Juan Grabois, ligada aos movimentos de bairros e de economia popular, revisou sua anunciada retirada critica da FdT, e se manteve. A denuncia da deputada legislativa, Ofélia Fernández (FdT) sobre a utilização de balas de chumbo por policiais da cidade é expressão de força desta nova geração.
O contexto
Coincidência ou não, desde a queda do ex-ministro Gusmán, e a recomposição do governo da Frente de Todos para encarar a política econômica, contra a inflação, a alta de preços e tratar de aliviar a perda do poder aquisitivo dos salários, exacerbou-se o lawfare. O momento é de definições de linhas para recuperar reservas do Estado, contendo a acumulação de lucros da oligarquia exportadora favorecidos pela guerra; de ofensiva sobre corrupções na agro-exportadora Vicentin; e de fuga de capitais de Macri e seus funcionários aos paraísos fiscais. O poder concentrado que dinamiza o lawfare força a quebra da unidade do governo da FdT, a ruptura da direita peronista a não avançar contra o FMI e a oligarquia exportadora-financeira; e nem pensar no BRICS e nas relações com a China que se aprofunda. Cristina, representa a maior força eleitoral da Frente de Todos, e defende o setor mais importante do peronismo ligado ao movimento operário-sindical, ao único projeto econômico capaz de tirar a Argentina do atraso, rompendo com os monopólios financeiros. As mobilizações dos últimos dias comprovam a força social decisiva de Cristina Kirchner para retomar o projeto nacional e popular de Peron. Por exemplo, na questão do controle de preços. Vejam.
Pergunta-se: porque tamanha violência justamente nos dias que se firmaram acordos entre YPF e Petronas (petroleira estatal da Malásia) aliadas para GNL o lawfare assume protagonismo e a violência assume a dimensão de um magnicídio? Essa notícia nem aparece na mídia. Trata-se de um projeto de construção de uma fábrica de liquefação de gás natural (duplicação da produção), gasoduto (outro gasoduto desde Vaca Muerta até a Costa Atlântica) e instalações portuárias. Leia. Cristina Kirchner recordou entre as medidas dos 12 anos de governo kirchnerista: Um pela memória, outro pela verdade, outro pela justiça, outro pelo Fundo, outro pela AFJP, outro pela YPF e Vaca Muerta, outro pelo não endividamento, outro pelo salário dos trabalhadores. Alguém tem dúvidas de que Cristina é propulsora central deste importante acordo da YPF com Petronas?
O presidente Alberto Fernandez, bem como o novo ministro, Sérgio Massa, revelam também receber ameaças de morte por sicários. Porque justo agora há esta ofensiva do lawfare? A chispa, a reabertura da causa judicial infundada da “Vialidad” com o show midiático de dois promotores macristas, provoca, em curto prazo, a violência que se sintetiza numa tentativa de magnicídio. Independentemente de que as investigações constatem que o criminoso Fernando Sabag Montiel, atuou só como um indivíduo desiquilibrado ou se faz parte de um complot organizado por forças políticas neo-nazistas (hipótese provável e mais grave), o fato é que a Mídia (hegemônica) e a Justiça (parcial e dependente), são cúmplices de um acirramento do ódio e da violência contra Cristina Kirchner que geram magnicidas. Não há como separar. É parte de uma estratégia global e se combate politicamente.
O papel nefasto da mídia hegemônica
A mídia hegemônica tem sido a mais poderosa arma de guerra em todos estes processos. Putin demonizado como invasor sanguinário pelas TVs em toda Europa. A TV Globo no Brasil instigando fakenews sobre “corrupção do Lula e do PT” e ocultando crimes imobiliários do presidente Bolsonaro. Clarin/La Nación na Argentina, porta voz antecipado de juízes que pedem condenação e proscrição perpétua de Cristina Kirchner a qualquer cargo político, repetindo nefastos apelos à guilhotina, metralhadora, prisão perpétua e pena de morte ao peronismo. Enfim, o semear do ódio não põe em risco só a orientação do voto nas urnas, mas a vida dos dirigentes progressistas e populares. A deputada da cidade de Buenos Aires, Victoria Montenegro (FdT), filha de desaparecidos, descreveu no seu contundente discurso a gravidade do momento político na Argentina: “… se está passando dos limites e não se sabe onde termina.”
O clamor pela democracia e paz social é justo e necessário. Mas, não é suficiente. Há que estabelecer o compromisso com a verdadeira democracia. Democracia para quê e para quem. Para os pobres ou para os ricos? Entre a maioria dos opositores do PRO-JxC, Milei e Libertários, são todos autores de declarações agressivas ao kirchnerismo, de desprezo aos pobres e às mulheres. A presidenta do PRO, Patrícia Bullrich, fiel a seu discurso violento, não condenou o atentado (quem cala, consente). O resto da oposição JxC (Juntos por el Cambio), “respeitando a paz e a democracia”, assinou a declaração promovida pela FdT (Frente de Todos) na Câmara de Deputados de condenação ao atentado. Mas, como previsto, a pacificação com o governo durou pouco: a posteriori, os porta-vozes da oposição, no Clarin/La Nación/TN ousaram espargir a fakenews de que o “atentado é uma invenção do oficialismo”, quando se trata do mais grave flagrante delito de magnicídio com provas. Assim, volta-se ao ponto de partida.
Portanto, como previsto, o ataque do ódio de classe não cessa. A mídia hegemônica, em coro com os libertários, volta a gritar: “liberdade de expressão” para mentir. Essa é a democracia do direito de mentir. Sem medidas contundentes no campo das comunicações a batalha política está perdida. Há reiterados chamados a restabelecer a Lei da Mídia revogada por Macri, reforçar a TV Pública, informar medidas de governo via rede nacional de rádio e TV.
A Justiça que não funciona
Na Argentina, em pleno governo progressista, a Corte Suprema continua sendo um feudo com juízes macristas. Mas, Cristina Kirchner contará, sem dúvidas, com um peronismo mobilizado para defender a sua integridade diante do lawfare. O povo na rua derrubou em 2016 a tentativa de Macri impor a lei 2×1 de redução de pena aos criminosos de lesa humanidade. No dia 17 de outubro, prevê-se o ditame final da causa Vialidad. A multidão peronista está de prontidão para construir nas ruas a sua história em nome da verdade e da justiça.
06/08/22
Crédito foto Destaque: PolíticaArgentina.com
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