O Plano Safra da Agricultura Familiar 2024/2025 versus o Agronegócio Capitalista


Este texto deve ser lido sob o guarda-chuva da concepção da defesa da soberania nacional. O Governo Federal através do Ministério do Desenvolvimento Agrário de Agricultura Familiar – MDAAF acaba de lançar o Plano Safra da Agricultura Familiar para o período 2024/2025 com o valor de R$ 80 bilhões de reais. Realmente, o Plano tem vários avanços em todas as áreas que no decorrer deste texto serão explicitados mas há que ver como encaminhar os programas apresentados e a situação dos agricultores familiares para acessarem os créditos.

Falar da agricultura brasileira é conviver com uma grande diversidade de modos de produção que vai desde a agricultura capitalista altamente tecnificada com consumo massivo de agrotóxico, sementes transgênicas, grandes extensões de terra, monocultivos, produtos para exportação até a agricultura também capitalista que busca desvincular-se dos consumos de insumos importados e produzidos por transnacionais, até a pequena e média propriedade rural individual ou organizada em cooperativa que utiliza certo nível tecnológico, até produtores extrativistas, comunidades indígenas, quilombolas, comunidades e povos tradicionais até uma parcela pequena mas importante de agricultores que produzem no sistema agroecológico/orgânicos até uma parcela significativa de agricultores em subsistência, em muitos casos em insegurança alimentar.

Mas uma marca precisa ser registrada, 70% dos alimentos que chegam à nossa mesa são produzidos pela agricultura familiar que se organiza das mais variadas formas. Setores da agricultura familiar produzem com a utilização das mais avançadas tecnologias e uma parcela grande ainda tem que produzir sob o cabo da enxada, na maioria das vezes um trabalho penoso e de baixa remuneração. Situação que precisa ser alterada com a produção de máquinas e equipamentos de menor porte com preços compatíveis com o tamanho e especificidade do estabelecimento rural. Fala-se em importar maquinário da China, ou montar indústria chinesa no país. Certo, mas entendemos ser importante realizar joint-venture com empresas nacionais, e transferência de tecnologia para desenvolver um parque industrial nacional.

O lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar é tratado como se a agricultura do Agronegócio e a agricultura familiar, não coabitassem os mesmos biomas do país. Seguramente, o governo vem buscando impulsionar, mesmo que de forma tímida, a produção agroecológica na agricultura familiar, entretanto o agronegócio brasileiro é o maior consumidor de agrotóxico do planeta, bem como parcela da agricultura familiar.

A contaminação das pessoas, da terra, das águas e do ar tomam proporções alarmantes no pais. Vários são os estudos que demonstram que o modelo da agricultura brasileira denominado o Agro é Pop, o Agro é Tec tem provocado, em escala descomunal, a perda da nossa biodiversidade e a degradação ambiental, mesmo no ambiente utilizado pela agricultura familiar. Recentemente, foi lançado o livro “Uso de Agrotóxicos na Agricultura Familiar em Monocultivos e Policultivos no Sudoeste de Goiás” por Celeni Miranda, Raquel Maria de Oliveira e João Batista Pereira Cabral. Contava-nos a Celeni que ao realizar os estudos da utilização do agrotóxico na região de Jatai, Góias constatou a contaminação por glifosato na água do subsolo que levou-a a só beber água mineral tal o grau de contaminação da água oferecida à população. Jataí é um dos maiores municípios produtores de soja e milho do país através do agronegócio, apresentando um dos maiores índices de câncer do país. Tal o grau da doença que foi necessário a construção de um hospital de câncer na região.

Este texto é mais um dos inúmeros textos dirigido à sociedade brasileira com o objetivo de denunciar o crime ambiental e populacional que está acontecendo no Brasil pela utilização de agrotóxicos, desmatamento ilegal, queimadas criminosas. Crime tão grandioso e permanente que se tornou um fato consumado, construído em torno de mentiras ditas tantas vezes pela televisão e por outros meios de comunicação que simplesmente, proíbem vincular informações sobre o quanto a população está sendo contaminada pelos venenos.

Há vários setores da agricultura agroecológica que tem aberto este debate junto ao Governo Progressista do presidente Lula, desde o aparato governamental, junto aos agricultores familiares, e porque não, também aos setores minoritários do agronegócio que buscam uma alternativa à agricultura sob o controle das transnacionais. O Brasil consome mais veneno que a somatória de venenos consumidos pela China e EUA juntos; os dois maiores produtores de grãos do mundo.

Nada justifica um saldo da balança de pagamento com as exportações do agronegócio e o passivo ambiental deixado pelo modelo de agricultura da exportação sem pagar impostos, em virtude da lei Kandir. Trata-se de uma agricultura que é dependente de insumos importados, sementes transgênicas sob domínio das transnacionais do agronegócio. Todo o parque industrial deste modelo de agricultura é controlado por empresas não residentes no país, e que mandam seus lucros para fora do país. Estamos falando em faturamento de bilhões de reais pelas empresas multinacionais que se utilizam de todas as armas para defender seus interesses.

Nenhum governo, seja socialdemocrata, progressista e muito menos de direita foi capaz de enfrentar o agronegócio, a contaminação das águas, o desmatamento, a concentração de terra e renda no campo e na cidade, e a contaminação por venenos de populações inteiras. O poder do lucro se impõe sob uma realidade brasileira. Muitos dirão que se trata de propaganda a serviço de produtores agrícolas externos que competem com a agricultura brasileira.

O Governo Progressista pode até dizer que não temos poder para mudar esta situação, ou mesmo dizer que seria um suicídio político combater o agronegócio que nos traz divisas pelas exportações, mesmo sabendo da tragédia ambiental que estamos vivendo. O Governo Progressista pode até dizer que a Bancada do Boi, junto com a Bancada da Bala, a Bancada da Bíblia, e outras bancadas fascistas nos impõem uma situação de submissão total, com poucas margens de manobra. Isto é uma verdade, mas o que fazer? Qual a saída dentro desta correlação de forças?

Em primeiro lugar, não pensar com uma mente colonizada. Pensar com a mente em defesa da soberania nacional. Temos uma das maiores oportunidades do Brasil. Fortalecer a agricultura agroecológica,  biodinâmica, sistema agroflorestais, produção orgânica, mineralização do solo, combate a pragas com produção de insumos naturais, produção de bioinsumos, produção de compostos orgânicos, reflorestamento, recuperação de áreas degradadas. Enfim, produção de alimentos que serão desejados pelo mundo e porque não, principalmente pelo povo brasileiro. Segmentos da sociedade mundial tomam consciência dos malefícios dos agrotóxicos e demandam produtos agroecológicos.

Os agricultores familiares que já abastecem 70% dos alimentos que chegam às nossas mesas podem ser protagonistas nesta transição para uma produção agroecológica. E os grandes produtores do agronegócio também se interessarão pela produção agroecológica, como já está acontecendo, pois grandes propriedades já produzem alimentos no modelo de transição agroecológico, a exemplo do Grupo Associado de Agricultores Sustentáveis – GAAS que tem por objetivo praticar uma agricultura tropical com base em modelos  sustentáveis para oferecer alimentos saudáveis e ajudar os agricultores se tornarem independentes dos “pacotes prontos” que impõem a utilização de sementes transgênicas, os defensivos, os inseticidas e fungicidas que ficam cada vez mais caros, provocando o aumento das pragas; com isto aumenta o consumo de venenos para  aumentar a produtividade. Já se tem produtores de soja voltando à utilização das sementes convencionais.

O Brasil está diante de uma das mais importantes oportunidades na agricultura de sua história. Tudo tem o seu tempo certo. Se no passado, as condições econômicas e políticas impuseram uma Revolução Verde com tudo que ela significou e significa de malefício e dar sustentação a uma agricultura em função do  lucro, atualmente, o mundo desperta, com todas as suas contradições, para a defesa do meio ambiente; reage às consequências da poluição do planeta Terra e de se suas populações, apesar das inúmeras guerras e mais de 700 milhões de pessoas passando fome conforme dados publicados pela FAO.

É inútil falarmos em transição energética sustentável se não combatemos uma agricultura do agronegócio que mais consome veneno. Uma agricultura do agronegócio que mantém uma concentração de renda e propriedade que nunca foi sinônimo de progresso. Uma agricultura do agronegócio industrial que produz soja e milho para exportação enquanto o povo passa fome.

Uma agricultura que tem sua base tecnológica para atender prioritariamente o agronegócio com grandes maquinários, drones, sementes transgênicas, GPS. Não se trata de defender um retorno a enxada, muito pelo contrário, é preciso acabar com sofrimento do trabalho penoso do agricultor familiar introduzindo um maquinário moderno adaptado à realidade da agricultura familiar.

Mas muitos argumentarão que não temos poder político para implantar uma agricultura agroecológica no país, pois a nossa agricultura está dominada por grupos econômicos transnacionais em todo o seu segmento desde a posse da terra até a exportação. Para enfrentar este poder, é preciso decisão política. Discutir esta situação abertamente com a população, utilizando o direito do Governo de requisitar horários gratuitos na televisão.

Foto: Municipio de Espera Feliz

O Plano Safra da Agricultura Familiar apresenta crédito para várias áreas como a agroecológia, custeio, investimento com juros baixos.  Podemos realizar uma virada de página da história e o governo pode ser protagonista na transição para uma agricultura agroecológica em todo o seu território nacional. Para isto, é necessário vontade e poder político. Vontade para mobilizar os trabalhadores rurais, os camponeses e camponesas, os agricultores e agriculturas familiares em defesa de um programa transformador para o campo. Nunca esquecer que a melhor forma de combater a fome passa pela reforma agrária acompanhada de políticas públicas modernizantes.

No lançamento do Plano Safra um dos pontos altos foi a defesa da produção agroecológica. Corretíssimo, mas vamos aos fatos. Em primeiro lugar, esta transição de agricultura convencional para agroecológica só vai acontecer se houver politicas públicas estruturantes. O setor do governo nesta área está estruturado na Comissão Nacional de Produção Orgânica – CNPOrg no Ministério da Agricultura e nas CPOrgs nos Estados, insuficientes pela importância do setor. Propomos que se transforme numa Secretaria Nacional da Agroecologia. Defendemos que seja multiplicado de forma exponencial a criação de biofábricas na agricultura familiar; e que o governo fique atento com as iniciativas das grandes empresas, que também estão entrando na produção de insumos agroecológicos, e querendo mudar a legislação impondo a existência de responsável técnico para todas as biofábricas e produção de insumos orgânicos nas pequenas propriedades, o que inviabilizaria economicamente as biofábricas locais.

Outro programa extraordinário do Plano Safra diz respeito ao Programa de Garantia de Produtos da Biodiversidade – PGPMbio, pinhão, pequi, umbu, macaúba, mangaba, babaçu, atualmente executado pela Conab que precisa de mais funcionários para potencializar o funcionamento do programa.

Estiveram presentes ao lançamento do Plano Safra, representantes da indústria de máquinas e equipamentos. Na sua maioria, fornecedores de grandes máquinas e equipamentos para o modelo do agronegócio brasileiro. A indústria precisa fazer uma conversão para a produção de pequenas máquinas e equipamentos para a agricultura familiar. Mesmo que para isto, o governo tenha que ser parceira da indústria que se disponha a produzir neste novo formato, sempre lembrando que o Estado sempre foi decisivo para alavancar a economia, a exemplo da Petrobrás, Embraer, CSN, CVRD, BNDES. O Estado precisa impulsionar as pequenas indústrias nacionais de máquinas e equipamentos.

Se por um lado, foi fortalecido o programa de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, há um ataque ao meio ambiente com queimadas e desmatamento para colocar gado, soja, milho e cana-de-açúcar. São situações provocadas pelas mudanças climáticas e principalmente, por ações criminosas. É preciso uma ação mais eficiente do Estado e com previsibilidade, evitando a tragédia como estamos assistindo no pantanal.

Como não poderia ser diferente, é preciso defender uma transição energética renovável, mas sem repetir o Proálcool que foi o maior programa de energia renovável da biomassa do planeta, mas de forma totalmente concentrada em grandes propriedades e mono cultivo, concentrador de terra e renda. Estamos assistindo uma ou outra iniciativa descentralizada da energia fotovoltaica, mas novamente, está se repetindo a implantação de verdadeiras fazendas fotovoltaicas por grandes empresas, inclusive transnacionais. E pouco ou quase nada de equipamentos nacionais; a maioria são equipamentos importados. Defendemos a descentralização e democratização destas energias e a implantação de centenas de microdestilarias para produção de etanol por parte da agricultura familiar.

O debate aqui não é a quantidade e qualidade dos programas do Plano Safra 2024/2025 da Agricultura Familiar, mas a necessidade de massificar este plano no tamanho do número de agricultores familiares. Do total dos 5.200.000 de estabelecimentos rurais do país, existem 3.800.000 (73%) de estabelecimentos que detém de 0 – 50 ha que são camponeses pobres que não acessam o Pronaf. Temos 976.000 (19%) de estabelecimentos de camponeses integrados ao mercado/Pronaf com 50 – 200 ha que a princípio poderiam acessar o Plano Safra mas são múltiplas as dificuldades desde infraestrutura para comercializar e transportar sua produção. Mesmo nestas condições, são o conjunto de agricultores que colocam 70% dos alimentos na mesa do povo brasileiro junto com os 345.000 (6,5%) estabelecimentos com 200 – 1000 ha. Apenas 79.000 estabelecimentos rurais (1,5%) detêm 300.000.000 de hectares de um total de 571.000.000 de hectares segundo os Censos agropecuários de 2006 e 2014 do IBGE, o chamado Agronegócio com a produção para exportação.

Podemos citar vários programas como o Contrato de Opção para produção de arroz (da gente), leite, bioeconomia, florestas produtivas (açaí, cupuaçu), Ecoforte (agroecologia), Terra Mesa (transição agroecológica), mecanização e tecnificação do campo com máquinas menores, microcrédito novo, operações destinadas as mulheres, quintais produtivos, linha de crédito para juventude, Pronera, apoio as cooperativas familiares, agroindústria, fundo de aval para avaliar o crédito para as cooperativas,  assentados, quilombolas e indígenas com ampliação de assistência técnica, linha de crédito para regulação fundiária, o, Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar PAA com doação simultânea e o PAA Cozinhas solidárias, fortalecimento das verbas para a alimentação escolar, o Proagro.

Seguramente, o Governo Federal com todo os boicotes da elite, em um ano e meio conseguiu tirar 24 milhões de pessoas da fome. E para isto é fundamental não perder de vista a importância e a necessidade de fortalecer a reforma agrária para descentralizar renda e democratizar o campo. Resolver de forma não burocrática a situação de milhares de famílias que estão nas beiras das estradas e debaixo de lona no aguardo de serem assentadas pela reforma agrária. O Incra precisa urgentemente de socorro.

Mesmo reconhecendo a importância do Plano Safra, isto não pode obscurecer que ainda existe miséria no campo, continua a contaminação vexamosa do meio ambiente pelos agrotóxicos, pela mineração, desmatamento e queimadas criminosas. Um campo em que ainda persistem os assassinatos de camponeses e indígenas. Um campo com desastres grandiosos como as tragédias de Mariana e Brumadinho, comprometendo rios importantes de integração nacional. Um campo em que ainda predomina o agronegócio predatório com capacidade de causar prejuízos irreparáveis aos biomas brasileiros, em determinadas condições irreversíveis. Um campo que ideologicamente vai cada dia mais para a direita, com a formação de um setor neofascista e seu crescimento junto as igrejas evangélicas pentecostais.

Sem dúvidas que o Governo busca ouvir as reivindicações dos camponeses com este Plano Safra e que isto faz parte do combate às mazelas do campo, mas podemos dizer que o agronegócio, pela sua força e grandeza, provoca um estrago no campo em proporções catastróficas e isto, o governo não tem tido força para combatê-lo.

Precisamos realizar uma verdadeira “revolução no campo”. Os processos para a agricultura familiar ainda são lentos. Os órgãos governamentais, fundamentais no seu trabalho, ainda sofrem da doença da burocratização. O tempo urge e mesmo que haja um esforço para evitar o êxodo rural, o campo vai se esvaziando. Recentemente, foi inaugurado uma grande agroindústria no Assentamento Oziel em Governador Valadares/MG do MST. Um sonho que demorou quase uma geração. Temos que encurtar estes prazos, alavancando o campo da pequena e média propriedade com o que há de melhor em tecnologia. Temos que deixar de realizar experimentos localizados para massificar o conhecimento. Os recursos têm que ser acompanhados com conhecimento e tecnologia aproveitando o que já dispomos; e no campo da agroecologia houve um avanço enorme, extremamente subutilizado. Há que entender que a tal falada agroecologia é muito mais que um pacote tecnológico. É uma forma de vida. Uma vida com respeito às pessoas, com interação com a natureza e os animais, com o cuidado da terra, das florestas, dos rios, dos nossos biomas, com geração de renda para a agricultura familiar.

Por fim, mais do que nunca se faz necessário organizar a produção camponesa, organizando politicamente os camponeses. A consulta aos agricultores, por parte do Governo, precisa caminhar para serem consultivos e deliberativos. É preciso realizar congressos massivos das entidades como o MST, Contag e Contraf com independência, mas com o apoio do Governo Progressista. Enquanto procuramos implantar os programas para o campo com a melhor das intenções, o Plano Safra da Agricultura Convencional que tem 500 bilhões de reais, se apropria destes valores para fortalecer o Agro que Não é Pop e fortalecer uma direita neofascista no campo. Situação que se agrava com o crescimento das milícias e traficantes de drogas com controle de territórios nas cidades brasileiras, com o crescimento da direita no Parlamento Brasileiro. Se por um lado o Governo tem que realizar composição para governar, por outro lado, o crescimento do fascismo vai em perspectiva anulando o acúmulo de poder do setor progressiva em decorrência destas alianças. Se estas alianças significassem crescermos mais que o setor neofacista, taticamente estaríamos em vantagem, mas não é o que está acontecendo. A única solução é a mobilização política da população brasileira, com criação de canais de comunicação massivo com a população pobre do país. A agricultura brasileira tem que priorizar alimentar o povo brasileiro.

Comitê de Redação
15/08/2024

 

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