Fracassa a tentativa de golpe parlamentar da Lei ônibus de Milei: após dias de debate no Congresso, o atual governo sofre uma primeira derrota política ao ter que retrocedê-la ao ponto de partida às Comissões entre-blocos. O improvisado método para impor um DNU e leis de saqueio à Pátria e ao povo argentino, leva ao descontrole dos interesses dos próprios aliados, sobretudo dos governadores das Províncias e deputados, aos quais Milei qualificou de traidores e delinquentes. A coerência e a união combativa dos deputados da União pela Pátria e Frente de Esquerda foram determinantes, mas sobretudo, a voz das ruas, a greve geral e a multitudinária manifestação dos trabalhadores e aposentados convocada no dia 24 de janeiro pela CGT/CTAs e diversos sindicatos; a resistência reprimida de movimentos de esquerda e espontâneos frente ao Congresso contra a Lei Ônibus; deram o sinal de que não se brinca com o peronismo e a memória.
Tal recuada dos defensores da Lei Ônibus se dá no mesmo momento em que Milei chega em Israel (já condenado na Corte Internacional de Justiça pelo genocídio de 30 mil palestinos em Gaza) e qualifica o Hamas de terrorista e de “nazismo moderno”; e anuncia sua decisão de transferência da embaixada argentina a Jerusalém, com imediato rechaço da Liga Árabe. Decisão sua, ou do país? Uma grande provocação de guerra e desestabilização interna da Argentina, em modo ditatorial, sem consenso e debate institucional. No mesmo instante, deixa um país em chamas, com uma fila quilométrica de pobres aos quais fechou refeitórios populares; com o anúncio de um aumento impagável de 250% nas passagens de transportes coletivos; e um Congresso explosivo que terminou votando-lhe contra, rompendo o acordo de governabilidade.
A derrota é política. Há que ver quanto o governo está disposto a recuar. Logo após a manifestação de 24 de janeiro, Caputo já havia retirado artigos fiscais do DNU. A oposição (União pela Pátria) sinalizou que era uma recuada parcial, mas com muitas armadilhas. Ficavam abertas as portas para trê coisas: Faculdades delegadas (que permite ao Presidente aprovar normas sem o aval do Congresso), Flexibilidade para tomar dívidas, e Privatizações (Fundo de Garantia de Sustentabilidade)”.
Estes pontos nevrálgicos para afirmar o poder hegemônico sustentado por Milei, foram fatores de debacle, desacordos, sobretudo no quesito “privatizações” que fizeram saltar para trás a Lei. Os contundentes discursos da UP, como do presidente de bloco German Martinez e do deputado Leandro Santoro (UP) contra o DNU deixaram marcas combativas. Afinal, a dita Lei que havia iniciado com 664 artigos, reduzidos a 220, explodiu na plenária e volta à estaca zero.
O saco de gatos e diversos interesses e setores do capital concentrado se expressa na variedade de mãos desencontradas por trás da redação da falida Lei Ônibus e do DNU. Os eleitores de Milei no primeiro turno foram só 30%; não é pouco, mas não correspondem aos 55% de votos do segundo turno com o apoio do macrismo. São 30% de um setor vacilante na sociedade que fizeram essa opção por por rebeldia, cansaço e problemas pendentes não resolvidos. Votam pela direita, mas não são ideologicamente de direita. Já são visíveis a crítica e o arrependimento da base eleitoral deste governo.
O restante, 25% proveniente do apoio macrista a este governo é da direita tradicional, antiperonista que vem se expressando ao largo de décadas no país, mas que hoje vota no Milei, não por estar completamente de acordo com o que propõe, nem com a sua atuação, mas espera que se desgaste rapidamente para que o macrismo seja o real governante. Sturzenegger, Patrícia Bullrich, e Caputo, são co-participantes da repressão econômico social de 2001, do re-endividamento abismal com o FMI (2018); todos, ressuscitados e embolados, via Milei.
Macri/Caputo já tem o plano B alternativo, em pleno desenvolvimento, que não depende do circo parlamentar da Lei ônibus. Entre DNU e a Lei ônibus, independentemente dos seus destinos interceptáveis por Legislativo ou Judiciário, já há um tsunami de medidas em debate e execução: cortes de postos de emprego público, direitos trabalhistas, aposentadoria, aumentos de 250% nos bilhetes de transportes, taxas energéticas. Á raiz de tudo estão as privatizações de 41 empresas (salvaram-se parcialmente, YPF, Banco Nação, Arsat, Nucleoelétria) como Aerolíneas Argentinas, Correio Argentino, TV Pública, água (AySa), órgãos científicos, cortes financeiros na arte, cultura, e educação; privatização na área de infraestrutura, da construção do gasoduto Nestor Kirchner, da exploração do lítio, da navegação, sem contar as ameaças de corte do orçamento federal às Províncias (estados), recatando governadores que em vários casos resistem.
Manifestações e resistência popular
Infelizmente, no campo nacional e popular falta liderança. Mas, há que recordar que 11 milhões e meio que votaram em Massa e essa é uma base bastante homogênea que impulsionará mudanças ou avanços nas lideranças sindicais e políticas do peronismo, que existem e são muito importantes, particularmente na província de Buenos Aires com Axel Kicillof, Juan Grabois, Leandro Santoro e uma série de prefeitos e dirigentes sindicais de esquerda (que não são poucos) e vêm propondo mudanças profundas na estrutura econômica e social do país.
24 de janeiro – Greve geral
Anote-se o avanço importante com a organização da primeira greve geral convocada no dia 24 de janeiro pela CGT, as duas CTAs, ATE (nacional e capital) e todas as organizações sindicais de trabalhadores, apoiada pela multitudinária manifestação de cerca de 600 mil rumo ao Congresso da Nação contra o DNU e a Lei ônibus, calculando-se mais de 1 milhão incluindo todas as cidades do país. Foi o primeiro golpe ao governo libertário nos seus primeiros 44 dias. Somente o povo organizado de forma massiva pôde impor o fracasso do tal protocolo Bullrich de repressão, apesar de todas a tentativas de detenções da chegada de ônibus de manifestantes e bloqueios da histórica ponte Pueyrredon. A “Pátria não se vende” foi o lema central.
Nesse dia histórico, foi notável a participação dos chamados autoconvocados e das assembléias de bairro; os mesmos dos panelaços espontâneos da noite de 20 de dezembro, dez dias após a posse de Milei. Fez presença uma enorme quantidade de idosos aposentados, artistas e movimentos pela Memória, Verdade e Justiça. No palanque junto aos dirigentes da CGT (Daher e Moyano) discursou a representante das Mães da Praça de Maio (Tati Almeida). O grande apoio do movimento sindical internacional também denotou a consciência da extrema gravidade do resultado eleitoral na Argentina. É preciso registrar isso. Há imensas massas de trabalhadores informais da nova era capitalista de exploração da mão de obra, do trabalho informal por internet, entregadores de compras, taxis-uber, sem registro, nem sindicatos, que foram eleitores de Milei e que poderão engrossar as próximas manifestações. As lideranças sindicais e peronistas devem ver como atraí-los a um projeto único de país com um Estado inclusivo.
Seis dias após, diante do Parlamento, onde se debatia e votava a Lei-ônibus, um enorme movimento de forças de segurança (polícia federal, de fronteira e da capital federal) reprimiu ferozmente com balas de borracha, motocicletas e gás lacrimogênio especial, uma manifestação reduzida, mas justa e pacífica de partidos da esquerda (FIT, PO, MTS) e movimentos de bairros, jornalistas e fotógrafos independentes, aposentados, jovens e mulheres. Caiu a máscara e a peruca do golpe “juvenil”, brando eleitoral-midiático de Milei. Agora, vestiu abertamente a do “Terminator”, livre para reprimir governadores, deputados e dirigentes sindicais. Estes são “a casta para Milei”.
A desproporção do aparato de segurança (sobretudo por ordens federais) denota que estão decididos a impor com repressão brutal o projeto de governo frente a sua debilidade político-social que mal começa. Desmascara-se o falso processo democrático-burguês. “Repressão e bala!” como propõem os libertários. Um show repressivo, por fora do Congresso, para atemorizar, ocultar e assegurar, dentro do mesmo, a aprovação urgente das leis. Agora que o “ônibus” caiu, as leis tentarão ir por decretos e DNU.
Evidentemente, o sucedido com a vitória de Milei e a deformação do processo democrático com um DNU de leis anti-sociais e anti-pátria, onde o centro é a Delegação de poderes ao Executivo, converge rumo a um golpe de estado do poder financeiro concentrado, da mídia hegemônica e do poder judicial. Não foi casual a foto de posse presidencial de Milei, dando costas ao Congresso com a participação de Bolsonaro e Zelenski. O mesmo Bolsonaro que agora está por ser preso como golpista no Brasil. O retrocesso da Lei Ônibus, é uma derrota política do governo na sua tentativa de ocupar o Parlamento, jogar no lixo toda a institucionalidade, a vergonha, os regulamentos, as leis, o código civil, e a Constituição. Mesmo assim, a democracia continua sob ataque com o conluio do centro-direita, de vendidos e alguns traidores do peronismo. Foi vencida só uma batalha. Agora é preciso derrubar o DNU e consolidar uma liderança política.
Há um grande debate interno sobre a reconstrução do peronismo, para depurar deformações neoliberais menemistas, incorporando um novo movimento social que aproveite as melhores experiências que deram origem ao mesmo (governo de Perón, resistência peronista após o golpe, Câmpora nos anos 70 e os 12 anos de Nestor e Cristina), mas que hoje inclui novos setores políticos e sindicais que vão além do peronismo, e nele se baseiam para avançar; assim como a liderança bancária ou mesmo da ultra-esquerda, como “Pollo” Sobrero (FIT), que ignorou o apelo ao voto em branco nas eleições; as organizações sociais e também o deputado alfonsinista, Leandro Santoro (UP), que obteve excelente votação a prefeito na cidade de Buenos Aires. São estes os jovens novos quadros, como Kicillof e Grabois que agarram o bastão de marechal como propôs Cristina Kirchner.
Tudo indica que o 24 de março, a resistência no Congresso (incluindo deputados da UP/FIT que saíram à praça na defesa dos manifestantes), e os panelaços espontâneos, são só o começo de uma crescente mobilização de massas, sindicatos e autoconvocados, rumo à construção de uma nova direção no movimento de massas. Setores peronistas e não peronistas unidos à luta popular. Milei venceu as eleições em boa parte através das redes sociais e a “inteligência artificial”. Mas não pode seguir governando com twitters e violência verbal. O risco de ser substituído pelo macrismo apoiando a vice-presidenta Villarruel, preanuncia ajustes com violência real.
Desta vez, a casta (com Milei ou sem Milei) vai mais rápido que em 2016, como sugerido por Macri. A oposição reage com discursos contundentes, mas a insensibilidade e frieza com que querem fazer passar estas medidas anti-povo indica que se vai rumo a um enfrentamento de classe contra classe, em que a classe operária e o mundo do trabalho estão bastante fragilizados, requerendo direção política, apesar das tradições e forças organizadas. É hora de unificar e retomar nos sindicatos a amplitude dos programas de Huerta Grande e La Falda onde os trabalhadores eram protagonistas da defesa do Estado soberano e popular.
Comitê de Redação
07/02/2024