A crise do governo de Pedro Sánchez, a greve feminista e as eleições na Andaluzia


O governo socialista, apoiado pelo Unidos Podemos e os partidos nacionalistas catalães e bascos, que surgiu da moção de censura a Rajoy, não conseguiram superar a aprovação dos orçamentos apresentados em fevereiro.

As diferenças surgidas com a Catalunha e as demandas dos setores independistas que pedem o reconhecimento do direito à autodeterminação (um novo referendo e, especialmente neste momento, um pedido por uma medida a favor dos prisioneiros indiciados pelo processo catalão) levaram os acordos uma situação sem saída.

Esses orçamentos defendidos pelo governo com o apoio do Unidos Podemos foram os mais sociais da última etapa. Consistia em mais verbas destinadas a bolsas universitárias, às pessoas dependentes, moradia, emprego de jovens e igualdade. Promulgou-se a lei que garante a saúde universal para todos que havia sido cortada pelo governo anterior, do chamado Partido Popular, que excluía os imigrantes e outros setores .

O Pacto contra a Violência de Gênero recebia 220 milhões de euros e as contas deste ano incluíram um plano de 20.000 residências para um parque público para aluguel a preços acessíveis. O emprego juvenil contaria com 670 milhões de euros para um plano de choque, e as políticas para promover o emprego atingiriam 6 bilhões de euros, 4,7% a mais que no ano passado. O orçamento destinaria 10 bilhões à infraestrutura, o maior investimento desde 2012 e que, muito, financiaria obras na Catalunha adiadas pelo governo da direita.

Apesar destas propostas progressistas, os partidos nacionalistas catalães negaram o seu apoio e não levaram em conta o aumento do salário mínimo para 900 euros, a atualização das pensões e a recuperação da Lei da Memória Histórica com a proposta mais importante para remover os restos mortais de Franco do Vale dos Caídos e que eles se mudassem para um lugar privado. Esta última medida foi prorrogada para após as eleições, expressando uma atitude débil do Partido Socialista.

A propostas pendentes desta legislatura

Este curto prazo do governo do PSOE deixou pendentes questões importantes prometidas quando assumiu:

Não se regulou o preço do aluguel da casa, defendido especialmente pelo Podemos. Na Catalunha, o sindicato de inquilinos recém-criado conseguiu em luta, aprovar uma lei que impede os bancos de despejar famílias com poucos recursos e deverão dar apartamentos vazios às prefeituras. Agora, exige-se que esta medida seja implementada em toda a Espanha e a expulsão dos fundos abutres, capitais que investem para especular com moradia.

A fatura de eletricidade não foi reduzida como prometido, sendo a mais cara da Europa.

As pensões não foram reavaliadas de acordo com o aumento do Índice de Preços ao Consumidor (IPC).

O plano de choque não foi aplicado para reduzir listas de espera de saúde e os cortes de pessoal e meios dos últimos anos que estão colapsando emergências hospitalares não são revertidos.

A Lei Mordaza não foi revogada, o que limita e reprime os direitos de expressão e mobilização, e cuja aplicação levou à prisão de líderes sindicais, músicos, poetas e artistas.

Uma das questões mais importantes que está pendente é a revogação das Reformas Trabalhistas feitas nos governos anteriores de Zapatero e Rajoy, que garantiam aos empregadores a demissão gratuita e a precarização dos trabalhadores que ativavam o trabalho clandestino. Em janeiro, um terço dos contratos durou menos de 15 dias e 90% foram temporários. O Banco de Espanha, em comunicado afirma que a reforma trabalhista não serviu para reduzir as taxas de emprego temporário e isso tem um impacto negativo, não só na produtividade, mas também na desigualdade da renda do trabalho. Essa situação de precariedade levou a que mais de três milhões de horas extras diárias não sejam pagas, aumentando a exploração dos trabalhadores.

Os sindicatos, especialmente UGT e Comissões de Trabalhadores, não tomaram uma ofensiva para revogar todas essas leis que afetam o salário e a vida do movimento dos trabalhadores e outros setores explorados.

Milhares de aposentados e pensionistas durante a grande manifestação em defesa de pensões públicas dignas em Bilbao.

Embora tenha havido lutas importantes como nos Estaleiros Navais, Alcoa (alumínio) e Transportes; e triunfos como na Coca Cola e Cacaolat, a solidariedade dos movimentos sociais e da população não tem sido suficiente para estender e generalizar esses conflitos para outros setores da indústria e serviços. Existem as condições para impulsionar uma Greve Geral em defesa dos direitos dos trabalhadores que foram perdidos durante esta crise.

Mas, um evento muito decisivo que influenciou uma mudança na relação de forças foi e é a luta das mulheres e a Greve mundial em 8 de março na defesa da igualdade e contra o patriarcado e o capitalismo. Esta rebelião das feministas expressa um profundo nível de amadurecimento na sociedade como um todo e para o qual as direções da esquerda não correspondem.As palavras de ordem das mobilizações foram resumidas em “chegamos para mudar tudo!” e esse foi o objetivo que guiou um grupo de mobilizações que sacudiram a consciência mundial.

As palavras de ordem das mobilizações foram resumidas em “chegamos para mudar tudo!” e esse foi o objetivo que guiou um grupo de mobilizações que sacudiram a consciência mundial.

Diante deste cenário e com as próximas eleições em abril e maio, a situação da esquerda se encontra politica e programaticamente enfraquecida. O Partido Socialista aponta para uma perspectiva de crescimento, ganhando o voto útil, mas possui uma ala de direita dentro do aparato que defende as políticas da União Europeia, a do mercado e da privatização dos serviços públicos.

O Podemos tem perdido o impulso inicial como consequência da regressão em seu programa e de um desempenho concentrado em suas direções, impedindo a participação de todos os círculos e da militância.

Isso levou a uma disputa entre os diferentes setores e à ruptura do setor mais reformista, liderado por Errejón, até então número dois da organização. Os conflitos nos diferentes territórios que se multiplicaram são produto da mesma situação e da perda de autoridade da liderança de Pablo Iglesias.

Conclusões das eleições na Andaluzia

As eleições na Andaluzia foram um golpe significativo para os partidos de esquerda. As previsões dadas pelas pesquisas não foram cumpridas nas urnas e a campanha eleitoral projetada pelo PSOE e pela “Adiante Andaluzia” (Podemos-Esquerda Unida) levou-os a enfrentar os votos progressistas, desencorajando seus próprios eleitores.

A direita radicalizou suas posições com um programa populista e xenófobo. O surgimento de VOX (partido da extrema direita) condicionou a campanha e as propostas eleitorais, tanto do Partido Popular (PP) como dos “Cidadãos”. Mas o objetivo fundamental era enfraquecer o governo de Pedro Sánchez e a esquerda em geral.

A extrema-direita saiu com um claro programa contra os imigrantes, a defesa da bandeira, o hino e a coroa, a revogação da lei da violência de gênero e a lei da Memória Histórica. As autonomias e, principalmente, o conflito catalão, estiveram presentes nos eventos e na agenda eleitoral.

58% da população participaram nestas eleições autonómicas com uma abstenção de cerca de 42%.

Os resultados foram os seguintes:

PSOE 33 deputados 1.009.000 votos 28%
PP 26       “ 750.000     “ 20,8%
Cidadãos 21      “ 660.000     “ 18,3%
Podemos –IU 17      “  584.000     “ 16,2%
Vox 12      “ 396.000     “ 11%

Em relação a 2015 o PSOE perdeu 400 mil votos, o PP 300 mil e o “Adiante Andaluzia” (Podemos) 280 mil. A transferência de votos foi do PP para Vox, do Partido Socialista para os “Cidadãos” e uma parte importante da esquerda se absteve porque não encontrou uma resposta política e programática em “Adiante Andaluzia”.

A defesa dos serviços públicos e dos direitos sociais e trabalhistas não é suficiente, mas políticas econômicas devem ser implementadas para criar emprego e lutar por uma existência digna para a classe trabalhadora e os setores mais desfavorecidos. Isso significa tomar ou propor medidas que afetam Bancos, grandes empresas e fundos de investimento.

Outra questão que não esteve nesta campanha foi a dívida que está a sangrar os países do sul da Europa, impedindo o seu crescimento e aumentando as desigualdades. A questão dos gastos militares e da OTAN também não foi levantada.

A resposta dos líderes da esquerda a esta derrota na Andaluzia tem sido muito limitada, evitando a autocrítica e centrando seus discursos no avanço inexorável da extrema direita e na “necessidade de uma frente para defender a justiça social, a fraternidade e a democracia”.

A esquerda, os sindicatos e os movimentos sociais devem debater uma resposta programática e política à crise e ao esgotamento do sistema capitalista. As empresas de energia não podem ser obrigadas a evitar cortes de energia para famílias sem recursos, nem podem forçar os Fundos abutres a colocar suas casas no mercado a preços sociais, quando eles se dedicam a inversões especulativas.

Para evitar que as consequências das políticas das multinacionais recaiam sobre os setores mais desfavorecidos, o único caminho é a expropriação e o controle dos principais recursos e serviços pelo Estado.

O debate nas próximas eleições é a construção de um governo que proponha medidas de nacionalização e transformação social.

A esquerda não pode atacar, criticar ou afastar-se de uma das experiências mais importantes e profundas que foram desenvolvidas para o benefício da classe trabalhadora e dos setores explorados, como é o caso da Venezuela.

É uma fraqueza muito grande que o governo de Pedro Sánchez tenha liderado o reconhecimento de Guaidó em nome, praticamente, de quase toda a União Europeia, alinhando-se com os Estados Unidos, embora agora tenha se afastado um pouco antes da possibilidade de uma intervenção militar.

O Podemos, na sua linha de retrocessos, retratou-se do apoio à revolução bolivariana e, apesar de rejeitar o golpe contra o governo Maduro, toma distância na defesa do que significam os avanços revolucionários que começaram com os governos de Chávez.

22 de março de 2019

Dos nossos correspondentes

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