A grande manifestação no Irã e no mundo islâmico pelo aniversário do martírio de Hussain (*)
10 de outubro de 680, 61 anos após a hegirat (**) do profeta Maomé, hoje no mundo islâmico de acordo com o calendário lunar, ocorreu um dos assassinatos mais ferozes e decisivos da história. O rumo do Islã já havia mudado, mas com o martírio de Hussain, o neto de Maomé e seus partidários, acabou a presença direta da ala revolucionária na direção do movimento global do Islã. Seguido por bisnetos, movimentos rebeldes como Mukhtar Saghafi, os Fatimidi, os ismaelitas e os xiitas até hoje.
Maomé foi um revolucionário e seu apelo encontrou eco e ressonância no mundo dos dois impérios. Tinha um programa social, econômico e monetário revolucionário em relação aos da época. Ele libertou Balal, o escravo, proibiu Riba, a usura. Ele pediu fraternidade, trabalho e justiça, mas nunca aplicados após sua eliminação. Seu governo era uma aliança, que tendo um caráter híbrido se voltou contra ele. Pouco depois de ter proclamado Ali, seu genro e primo como sucessor, foi envenenado e morto. E pouco depois, os mesmos conspiradores mataram Fátima, sua filha, amarraram e subjugaram ao Ali, seu marido. A partir daí entramos em um processo de falsificações e restaurações, passando de um governo democrático popular para um governo capitalista mercantilista e repressor. Entre Maomé e Yazdgerd, o imperador persa, houve cartas e comunicações de consideração mútua (todas as narrativas póstumas de terremotos, colapsos e lagos secos eram falsas), mas Omar, o segundo califa, atacou e conquistou o império persa sangrando de traições e guerras com o Império Romano do Oriente. O resto é conhecido e cada um o narra segundo filiações e conveniências.
Resta o facto da “política de alianças”, “a chave do arco constitucional” que nunca funcionou senão por curtos períodos, e uma vez retirada a chave o resto desmorona e vence quem atacar primeiro. No início da revolução islâmica de 1979, o aiatolá Taleghani, recentemente libertado da prisão, disse que “desta vez ou o poder é construído com base em conselhos ou adeus ao Islã para sempre”. Mataram-no e mataram muitos outros dirigentes entre Presidente, Primeiro-Ministro, ministros, secretários, militantes e revolucionários, e inventaram uma guerra de conveniência em colaboração entre as duas burocracias, uma consolidada e outra em formação, para acabar no terreno da uma tremenda guerra o resto dos jovens revolucionários iranianos.
E estamos aqui, hoje, com um governo inicialmente minoritário com alianças, saindo do flagelo da Covid (Irã sob embargo, sem vacinas e remédios e um governo decididamente aliado à Covid) com uma dívida pública, cofres vazios e uma inflação tremenda; o povo zombado, magoado e disperso com a eliminação política eleitoral do popular ex-presidente, Ahmadinejad. Foi como começar tudo de novo. Com o esforço operacional e incessante do atual presidente, Raissi, em busca de apoio popular, e internacional da Rússia, China e os países asiáticos, todos escarnecidos e abandonados pelo governo anterior, o Irã recomeçou. Os “outros” que nunca morreram, agora estão voltando, provocando uma nova fase de crise, talvez, definitiva.
O impulso de Raissi, rumo a uma aliança com a Rússia e a China, atiçou o conflito interno com os conciliadores, empurrando-os para posições reacionárias. Estes, na política externa, atingiram a Rússia e a China na questão da integridade territorial da Ucrânia; também sobre Taiwan, as Ilhas Curilas, Artsakh na Armênia conciliando com o Azerbaijão (contra os militares), com os talibãs no Afeganistão, e por último com Trípoli , contra a paz de Raissi com o Egito. Na política interna, continua a especulação, a inflação, a desobediência dos Bancos privados ao Banco Central, dos comerciantes contra o plano tributário; a Câmara de Comércio, o segundo Parlamento, é para si mesma. A areia movediça dos acordos com a Rússia e a China, as conspirações de parlamentares pró-burgueses impedindo as propostas de leis revolucionárias do governo, a desobediência de várias instituições de controle, como a dos governos, a anulação de decisões do presidente, as provocações de mulheres e jovens da burguesia, moral e fisicamente corruptas que querem a liberdade do “eu faço o que eu quiser”, a retomada do contrabando e dos assassinatos diários das forças da ordem.
Estas são as contradições que criam a força motriz por trás das manifestações de hoje, e da luta por justiça social da qual o martírio de Hussain é seu símbolo. Depois disso, será tudo para ser visto. O ministro da Defesa anula os acordos sobre o fornecimento da aviação militar russa do Su35 e do S400, cedendo à reprovação e ao embargo norte-americano, que termina em outubro, e provavelmente será renovado. Um embargo que foi facilitado, vale lembrar, pela mesma delegação iraniana presente nas reuniões sobre energia nuclear, Zarif-Eraqci, que hoje se tornam aliados de Amir Abdollahian; uma verdadeira sopa e entramado da diplomacia secreta dos conspiradores. Estão todos de acordo com as privatizações, mas, segundo o governo, elas devem ocorrer com base no Atlas de prioridades de intervenções e investimentos, enquanto para a Câmara de Comércio devem ser de acordo com a livre concorrência do mercado de oferta e demanda. Erdogan está provocando as contradições iranianas com cenoura e pau. Ele ataca o Irã no corredor que liga a Turquia ao Azerbaijão, separando o Irã da Armênia, de onde foi separada Nagorno-Karabar pelo Azerbaijão; mas incita o apetite ao prospectar o acordo comercial de quase US$ 30 bilhões entre o Irã e a Turquia. Para o mundo como ele é, essas contradições não se sustentam e explodem. Vamos ver como.
Do correspondente do Irã
29/07/23
(*) Hussain é o neto de Maomé
(**) A viagem que faz Maomé desde a Meca a Medina, transformando-se em profeta a 40 anos de idade.
Foto: Manifestação pelo martirio de Hussain (crédito: Mashreghnews.ir)