A importância da China na construção do BRICS


No contexto da análise sobre o BRICS, a China é um capítulo à parte

Depois do triunfo da Revolução Comunista em 1949, e após erros na condução da revolução, limitada à revolução cultural, e a divergência com a URSS, a direção chinesa acertou o passo e hoje é a primeira economia em paridade de poder de compra em competição com o capitalismo hegemônico mundial. Firmou negócios com mais de 140 países; está na frente no desenvolvimento tecnológico; tirou 700 milhões de chineses da pobreza; forma milhares de profissionais de alto nível; está na vanguarda do desenvolvimento tecnológico em várias áreas; sendo um dos países que mais emite CO2, é também o primeiro país em desenvolver e aplicar energias renováveis e limpas; e conta com um sistema financeiro, predominantemente estatal,  uma economia predominantemente estatal, planificada sob o comando do Partido Comunista Chinês.

Comparar o desenvolvimento da China com outros países que não realizaram uma revolução é rebaixar a análise política. Pois não se trata apenas de desenvolvimento econômico mas do desenvolvimento de um modo de produção e a construção de relações sociais e humanas em outro patamar. Como aconteceu também com outros países com que buscaram um desenvolvimento com soberania nacional, a exemplo da Revolução Iraniana e a Revolução do Vietnã.

O Brasil na década de 80 tinha uma economia com forte poder estatal que lhe possibilitou ser uma economia mais desenvolvida que a China naquela época. Por quê o Brasil passou por um processo de desindustrialização prematura e a China se desenvolveu? Não se trata apenas do Brasil na América do Sul, pois o mesmo processo ocorreu em vários países da América Latina. Agora, o Brasil no BRICS abre as possibilidades do desenvolvimento e a relação com a China, e a integração na Rota da Seda.

Entretanto, a integração do Brasil com a China, como a maior parceira comercial, precisa se dar dentro de um processo de planejamento e negociação. O período neoliberal ao que foram submetidos vários países da América do Sul, destruiu o poder estatal, desindustrializou os países, e jogou milhares de pessoas na pobreza.

Implantou-se uma economia neo-extrativista. Ou seja, predominantemente, o Brasil exportou produtos primários: alimentos, petróleo e gás, minérios. No início do século XXI, com o boom das commodities, governos progressistas desenvolvimentistas apostaram num desenvolvimento em base a exportação de commodities. Com o ganho destas exportações, realmente, foram incluídos milhares de pessoas no orçamento do Estado, através de programas sociais, aumento do valor do salário-mínimo, no caso do Brasil. O país saiu do mapa da fome, com índices de crescimento significativos.

Porém, estudos mais recentes afirmam que a redução da pobreza registrada na América Latina não se traduziu em uma diminuição das desigualdades. Os trabalhos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostram um aumento da desigualdade já em 2012. O 1% mais rico detinha 24,4% da renda do país, sendo que em 2006 essa porcentagem era de 22,8%. Entre os 10% mais ricos, a renda passou de 51,1% a 53,8% no mesmo período (Zebechi, 2015). Assim, ainda que a pobreza extrema no Brasil tenha se reduzido, e o consumo se expandido, as desigualdades persistem e inclusive aumentam ligeiramente. Os territórios são controlados por milicianos e traficantes de drogas “armados até os dentes”. Há cidades convivendo com milhares de pessoas em situação de rua. Cresce o controle mental de fiéis pelas igrejas evangélicas pentecostais de direita. 1% (um) dos estabelecimentos agrícolas detém 53% do valor bruto da produção agrícola. Persiste uma das maiores taxas de juros de planeta, privilegiando os rentistas, em detrimento da produção. O Brasil detém a posição de ter uma das maiores concentrações de renda da América Latina. A sua taxa de investimento de 16% a.a. é insuficiente para alavancar um desenvolvimento vigoroso, sendo necessário no mínimo 22%.

É certo que o Brasil em parceria com a China tem buscado sair desta armadilha, com investimentos chineses em vários setores da economia nacional: a implantação de uma fábrica de automóvel e máquinas, equipamentos tecnológicos, telecomunicações, financeiro através do Banco da China e Banco Industrial e Comercial da China, soja e carnes, aquisição de empresas, infraestrutura e portos, construção civil, mineração, energia elétrica petróleo e gás. Esses investimentos são parte de uma estratégia maior da China para garantir o fornecimento de recursos naturais, expandir seu mercado para produtos chineses e fortalecer laços econômicos com países da América do Sul.

Cabe destacar o esforço do MST em realizar parceria com a China no sentido de trazer para o país fábricas de pequenos equipamentos para a agricultura familiar com transferência de tecnologia, fertilizante a custo baixo, compostagem, energia solar conversa e outros equipamentos que possibilitem aumentar a produtividade e tornar menos penoso o trabalho da agricultura familiar.

Como já dito, a relação com a China precisa se dar com a ativação da indústria nacional e com transferência de tecnologia. 100% da placa fotovoltaicas instaladas no Brasil são importadas da China. Será que o Brasil não tem capacidade tecnológica para produzi-las no próprio país? Argumenta-se que não temos capacidade para competir com os preços dos chineses. Verdade. Como resolver? É necessário a participação do Estado, como faz o governo Chinês.  Este exemplo serve para outros setores da economia.

O pensamento desenvolvimentista exportador não foi um privilégio do Brasil. Inclusive governos democráticos revolucionários da América do Sul também o fizeram pelas condições objetivas da economia mundial ou por concepção ou pela configuração econômica mundial.  Basta visitar o Atlas da Competição para constatar a pauta de exportação dos países da América Sul, majoritariamente, com exportação de produtos primários e importação de manufaturados.

Argentina: soja, milho, trigo e carne; Bolívia: gases, petróleo, minério de zingo, chumbo, ouro, soja e estranho bruto; Brasil: soja, cana-de-açúcar, minérios de ferro, petróleo bruto, carnes; Chile: minério de cobre, ferro; Colômbia; petróleo bruto, carvão, café e ouro; Equador: crustáceos, bananas, petróleo; Paraguai: soja, carne bovina, milho, energia elétrica; Peru: minério de cobre, ouro, minério de ferro; Uruguai: carne bovina, polpa química de madeira, soja, carne bovina; Venezuela: petróleo bruto, resíduos e sucatas ferrosas.

Há uma ilusão de que o boom das commodities possibilitaria um desenvolvimento autossustentável. As empresas estatais que têm capacidade de investimentos a longo prazo em tecnologia foram privatizadas ou parcialmente privatizadas, na sua maioria transferidas para as mãos de não residentes no país que praticam elevados lucros que são remetidos para suas matrizes. Como é o caso da Companhia Vale do Rio Doce, CSN, parte do pré-sal, parte da Petrobrás e da Eletrobrás, Telebrás, Usiminas, bancos estatais.

O mundo hoje concentra-se numa luta pelo domínio de energia, tendo o petróleo como carro chefe – motivo de várias guerras. E os países da América do Sul se transformaram em fornecedores destas energias e alimentos. Possibilitando trazer divisas, mas trazendo junto uma grande degradação ambiental. Muito veneno para produzir soja. Desmatamento e queimadas para produzir alimentos para exportação pelo agronegócio. O “privilegio” da utilização dos agrotóxicos não é apenas do agronegócio, também utilizado na agricultura familiar.

O Brasil consome mais agrotóxicos que os EUA e China juntos, sendo estes dois países os maiores produtores de grãos; provocando uma degradação ambiental com o agronegócio e a exploração mineral. Contaminação das pessoas e aumento dos casos de câncer. Os nossos biomas – Pantanal, Cerrado, Amazônia – estão sendo comprometidos, ao ponto de não haver possibilidade de retorno à situação natural. Vimos com desastres criminosos das barragens de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais. Vivemos um período de um modelo de relação com a natureza insustentável, com a finalidade de abastecer um modo de produção insustentável, incompatível com a vida no planeta Terra. Não é por acaso que vivenciamos uma natureza que se “rebela” e se volta contra o nosso modo de vida.

Neste cenário global é que precisamos pensar a grande oportunidade que se abre para os países chamados em desenvolvimento dentro do BRICS. BRICS é composto por países com cultura, desenvolvimento econômico bastante diferenciados. Talvez esta diversidade seja um dos pontos positivos da organização dos BRICS, se houver um relacionamento planejado e negociado. No caso do Brasil, o relacionamento com a China pressupõe a oportunidade do Brasil voltar a se re-industrializar e não ser apenas um fornecedor de matérias primas. Estabelecer essa relação não só com a China mas com todos os países que compõem o BRICS.

Desde antes, a reação a constituição do BRICS (agora composto por 9 países) por parte do imperialismo sionista anglo-americano se fez sentir.  Manter a América do Sul sob a condição de colônia é uma questão de sobrevivência dos EUA. Cabe aos governos progressistas democráticos se imporem contra os interesses de exploração do imperialismo, já instalado em nossas nações.

É um grave erro o veto do Brasil à entrada da Venezuela no BRICS, pois aquele país depois de se posicionar em defesa da sua soberania, passou a sofrer o bloqueio dos EUA. Nós sabemos o motivo: as reservas de petróleo do Venezuela são uma das maiores do mundo. O veto é desconhecer, inclusive, a ajuda da Venezuela ao Brasil na época da pendência da Covid.

Por fim, a constituição do BRICS não se restringe as questões econômicas, mas se estabelecem laços políticos que em última instância vão determinar a autonomia e soberania destes países. Um outro mundo é possível.

Comitê de Redação
PosadistasHoje

27/10/2024

 

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