A incidência do papel da Rússia e China na crise interna do governo no Irã


 

O governo iraniano formado pelo presidente Ibrahim Raissi, eleito há dois anos em meio à grande crise, nunca foi homogêneo. Constituiu-se com ministros e subministros revolucionários, muitas vezes retirados do governo revolucionário de Ahmadinejad, e pelos reformistas que tendem a ser conciliadores com o imperialismo americano e com o Partido Democrata. Enquanto isso, o ex-chefe dos serviços de inteligência do Pasdaran, o psicopata Taeb, que prendeu os colaboradores de Ahmadinejad, foi bem substituído. Da mesma forma, o obscuro membro do Conselho Superior de Segurança Nacional, general Shamkhani, que fechou o aeroporto militar de Hamedan aos bombardeiros russos, durante o cerco de Aleppo contra o Isis. Como consequência, o general Sergei Shoigu, ministro da defesa russo, reclamou: “você quer lutar contra Isis ou não?”.

O estreito confronto entre os polos na Ucrânia atuou como fator externo. Ao mesmo tempo, ocorreu o relançamento de Raissi em direção à aliança estratégica com a Rússia e a China. Isso, pressiona e põe em discussão a diplomacia secreta do conciliador ministro das Relações Exteriores, Amir Abdollahian, e do ministro da Defesa, general Ashtians. Abdollahian, ao contrário dos militares que ajudaram o exército russo na guerra ucraniana, apoiou o governo de Kiev e a integridade territorial da Ucrânia contra os referendos das 4 regiões de língua russa como parte da Rússia; além disso, ele não apoiou a China Unida aliando-se com Taiwan. Embora o governo tenha sido considerado revolucionário, e o Irã tenha em geral o caráter de um Estado revolucionário, o Irã está em um grande pântano há 40 anos; por isso, muitos acordos com a Rússia ou a China entram em colapso e são esquecidos.

Encontro entre os Comandantes militares do Irã e da Rússia
em Petrogrado

Muitas viagens de altos funcionários russos, da Inteligência, como Patruchev, ou da Duma, do Conselho de Ministros, militares, Marinha e o próprio Sergei Shoigu, não conseguiram tirar o Irã da lama da burocracia corrupta. O Irã não teve embaixador na China por muito tempo e, quando Xi Jinping foi a Teerã, com 50 bilhões de dólares para infraestrutura e obras diversas, o ex-presidente (2013-21), Rouhani, o abandonou e foi para Roma e Paris. Essa ofensa e esse pântano requeriam uma provocação para serem descobertos. Um nervo exposto teve que ser atingido para fazer saltar os reacionários.

Enquanto isso, graças ao apoio do Pasdaran, como Qassem Soleimani, militares iranianos, drones e mísseis, a resistência no Iêmen, Síria, Líbano e Iraque venceu o Isis e derrotou a aliança reacionária entre sauditas, Israel, Emirados, Kwait etc. A “vaca leiteira da Arábia Saudita” – definição de Trump – também devido à crise do dólar, voltou-se para a Rússia e a China, e os negócios e as bolsas rapidamente ultrapassaram os lentos do contraditório Irã.

Depois que Xi-Jiping e Putin fizeram acordos de trabalho com os Estados árabes, tanto Xi-Jiping quanto Lavrov fizeram uma provocação ao mencionar a questão das três ilhas iranianas no Golfo Pérsico, que os Emirados vêm exigindo para si há alguns anos como uma provocação. Os nervos dos reacionários estouraram e era isso que os russos e chineses queriam. Amir Abdollahian afirmou que eles, China e Rússia, não devem acreditar que são as únicas opções do Irã, e acelerou os acordos nucleares com o governo dos Estados Unidos.

Os negócios dos países árabes com a Rússia e a China são melhores do que com o Irã. Os árabes agora reconhecem a Síria, mas manobraram sobre as ilhotas iranianas quase desabitadas. Não há bases militares. Um confronto político. Os russos Lavrov diz “ok, discutam, na diplomacia” caso contrário, recorre-se ao tribunal de Haia. E eles sabem que isso irrita os reacionários iranianos. É isso, o prato está servido.

 Após a provocação russa, em reunião com os Emirados Árabes, sobre a questão da pertinência das 3 ilhas iranianas no Golfo Pérsico, um alvoroço estourou no Irã por três dias. A Rússia freou dizendo (através do embaixador russo em Teerã e o vice de Lavrov em Moscou) que as ilhas são iranianas e sobre isto não há discussão.  Mas isso não é suficiente para os russófobos turbulentos iranianos (de dentro e fora do governo). Estes gritam que “colocar-se da parte dos Emirados Árabes é uma traição”, “uma punhalada pelas costas”; que foi um erro haver acreditado nos russos, e que um simples pedido de desculpas não é suficiente: “O que eles querem? Uma ruptura em toda a Frente com a Russia?”

Não é só a oposição neoliberal fora do poder que diz estas palavras, mas o ministro das Relações Exteriores, Amir Abdollahian; este além da questão das ilhas, torna a insistir novamente no reconhecimento iraniano sobre a integridade territorial da Ucrânia. Além disso, existe o encontro de Kharrazi (chefe da estratégia externa), um mofo da velha guarda do traidor Khatami, com um representante do governo japonês para discutir a integridade territorial do Japão a propósito das ilhas Curilas. Uma organização enviou um navio de transporte, em sinal de amizade, a Misrata, cidade da Líbia, para retomar as relações com o governo pró-OTAN de Trípoli, enquanto, pelo contrário, o governo iraniano está retomando as relações com o Egito, aliado do general Haftar em Bengazi e contra Trípoli. É uma passagem complicada e séria visto que até no Parlamento, o seu presidente Ghalibaf, juntamente com uma parte dos representantes, é da mesma opinião, contra a provocação russa.

Parece ser apenas o cerne da questão, o que sugere que tanto os russos quanto os chineses na pessoa de Xi tocaram deliberadamente a espinha dorsal para irritar aqueles que, no poder e no governo, são anti-russos e contrários à recente mudança do Irã, do governo e de Raissi, rumo à colaboração estratégica com a Federação Russa, com a China Popular, com os estados da Ásia Central, a organização de cooperação de Xangai, até sua entrada no BRICS. De repente, chega o emissário do governo japonês, todo salamaleichi, beijos e abraços, contra a Rússia nas disputadas Ilhas Curilas, quando o Japão se prepara, com a OTAN plus, para enfrentar militarmente a China Popular em Taiwan. Então, o Irã está na encruzilhada? Raissi avança. Khamenei o apóia, mas não se expõe.

Manifestação contra o martírio de Hussain
(Foto: Mashreghnews.ir)

Mas há outros fatos que mostram que os coágulos bloqueiam o fluxo. Várias figuras súper-corruptas do Judiciário ou de outros órgãos do poder já condenadas e presas, como Akbari, o ex-vice do Judiciário condenado a 31 anos de prisão e apreensão de bens roubados, está em liberdade, e o julgamento será refeito. A proposta do ministro da economia para a taxação das compras e vendas, ou seja, contra a especulação mafiosa, está suspensa há meses por órgãos aparentemente superiores, e não se torna operacional.  Com relação à veste islâmica, as jovens da burguesia desafiam a convivência e os costumes com arrogância e provocações, desnudando-se na ausência de uma lei parlamentar. E isso também aumenta a impaciência e o confronto social direto. Muitos jornais que apoiam Raissi optam por não falar sobre o tema e ocultar o incidente diplomático, ou criticam o Amir Abdollahian. Mas, este não desiste, e mostra-se decididamente contra a Rússia e a favor de uma conciliação com o império, contra os 4 referendos na Ucrânia e mesmo em relação à energia nuclear. Uma catarse, mas como?

Espera-se que a integração na organização de Xangai possa facilitar a regularização estrutural e o bom funcionamento, mas os ministros que são contrários, inclusive o ministro da defesa, general Ashtiani, entram publicamente em cena para obstaculizar. Negam a relação estratégica com a China e com a Rússia. Ashtiani não quer o caça Sukhoy 35, enquanto que a aviação já readaptou aeroportos, preparando pilotos e engenheiros para tal. Assim, esperam o fim do embargo dos EUA sobre a aquisição das armas em outubro.

A ideologia da privatização (com controle estatal) é um obstáculo ao planejamento indispensável para os contratos estratégicos Norte-Sul, Leste-Oeste com Rússia, China e Índia. Os gigantes econômicos no Irã são como o IRI (Instituto para a Reconstrução Industrial) na Itália; as paraestatais, organizações que contêm muitos figurões privados, como a “Sede Executiva da Ordem do Imam”, contendo petroquímica, minas, fábricas e várias propriedades abandonadas após a fuga do Sha e sua Corte, ou “Shasta”, Previdência Social contendo Fundo de Pensões e outras grandes empresas. Existem outras grandes estruturas autônomas como Gharargah, organismo produtivo executivo civil e militar do Pasdaran, com Banco próprio. Mas o ponto crucial continua sendo o sistema de comunicação dos Bancos privados que prevalecem sobre o Banco central graças ao domínio da ideologia da privatização defendida pelo próprio aiatolá Khamenei. Mas, enquanto isso, para onde Amir Abdollahian quer ir com a integridade territorial ucraniana quando a Rússia já destruiu todas as bases de ataque de drones no porto de Odessa?

Do correspondente do Irã

20/07/23

Foto: Irã na reunião de Xangai (Foto: Tehran Times)

Leia também neste site:

A grande manifestação no Irã e no mundo islâmico pelo aniversário do martírio de Hussain

Total Page Visits: 23 - Today Page Visits: 1