Os impactos do crescimento da China x Ocidente e as lições para o PT e a esquerda no Brasil


A esquerda brasileira, tendo como referência a Era Vargas, e fazendo uma análise da Ditadura Militar, dos Governos neoliberais e dos Governos progressistas e populares de Lula e Dilma, necessita fazer uma síntese de aprendizado da história para seguir em frente, e inexoravelmente, elaborar um programa de governo levando em consideração o que acontece na China. Nenhum país do mundo poderá dizer que não sofre os efeitos da China como principal potência produtiva, exportadora e financeira do mundo. Tanto isto é verdade que o maior parceiro econômico do Brasil é a China. 

Analisando as estruturas desenvolvidas pelo “modelo de desenvolvimento chinês” vai ficando claro que é impossível consolidar um governo de esquerda se este não enfrenta a sangria do capital financeiro especulativo, estabelecendo o controle do setor financeiro pelos bancos estatais, reduzindo o alto endividamento familiar, elevando os níveis de poupança, combatendo a expansão descontrolada de crédito para tomadores de dinheiro incapazes de honrar com suas dívidas, impedir que as dívidas públicas alcancem níveis críticos.

É preciso, ao mesmo tempo, retomar a soberania sobre as riquezas minerais e energéticas, impor o controle do estado sobre os setores estratégicos da economia e apoiar fortemente o desenvolvimento tecnológico.

As questões previdenciárias devem ser encaradas com maior desenvolvimento e pleno emprego, e não com cortes e reduções, já que o sistema brasileiro, na sua concepção e aplicado com rigor, como prevê a Constituição, é plenamente sustentável. Será preciso revogar e demolir peça por pela a atual contrarreforma previdenciária, retomando o sistema anterior e cobrando com rigor a dívida histórica das empresas.

Até então, a China está imune a todas essas doenças estruturais. 

Porque a China torna-se a principal potência produtiva, exportadora e financeira do mundo, enquanto o Brasil depois de passar por um governo popular e democrático foi golpeado com a impeachment da Presidente Dilma e é governado por um governo neoliberal? A resposta para esta pergunta não é simples e tem fundamentos históricos. Em primeiro lugar, não perder de vista que o fenômeno China só é possível porque houve uma revolução comunista no país, e o que isto significa em termos de mudanças econômicas e do pacto social e mobilização das massas trabalhadoras, que condiciona, na raiz, o desenvolvimento econômico.

O Brasil poderia ter trilhado um desenvolvimento econômico parecido com o chinês se tivesse consolidado o modelo nacionalista da Era Vargas, com a característica de um nacionalismo revolucionário. Existem estudos que demonstram que se assim fosse, teríamos uma das maiores economias do mundo. Pela nossa experiência histórica, o caminho que devemos perseguir é o do nacionalismo revolucionário.

A crise global de 2008-2009 não foi realmente global. No livro “China versus Ocidente – o deslocamento do poder global no século XXI”, de Ivan Tselichtchev, leitura indispensável para quem quer entender o papel da China hoje, o autor diz: “Em geral, nos referimos à crise financeira e econômica como “global”. Todavia, o evento não afetou todo o mundo – pelo menos no que diz respeito a países como a China, a Índia e, também, várias outras grandes economias emergentes (GEE) em todo o mundo, que mantiveram taxas de crescimento significativamente positivas. Criada pelos EUA, a crise foi, a princípio, um problema norte-americano, então, assumiu caráter ocidental”. Cabe destacar que neste novo mundo competitivo e repleto de diferentes níveis de desenvolvimento entre as nações, o crescimento econômico global é impulsionado pelos países emergentes, não pelas economias ocidentais. 

A esquerda em geral está diante de uma realidade global que lhe vai impor ter que tomar algumas decisões políticas e econômicas diante da crise do capitalismo ocidental e do desenvolvimento de um bloco de países emergentes, em particular a China, se quiser realmente assumir um programa que defenda os interesses de seus países e de seus povos. A China conseguiu tal desenvolvimento porque não está presa a lógica dos países capitalistas ocidentais que aprofundam suas mazelas estruturais, muito pelo contrário, impõe sua superioridade em virtude dos seus fundamentos. Quais os pilares que não podem ser menosprezados se realmente queremos propiciar um desenvolvimento sustentável sob a direção de governos de esquerda, progressistas, nacionalistas e revolucionários? Menosprezando, citados acima, não é possível alcançar um desenvolvimento com soberania nacional. É o que pretendemos demonstrar nesta nossa análise à luz da recente experiência dos governos do PT e as bases que regem o desenvolvimento chinês.

Existem alguns aspectos econômicos que precisam ser melhor explicitados para compreendermos porque a China assume protagonismo econômico frente às economias ocidentais desenvolvidas, como ficou demonstrado na crise de 2008-2009, momento em que o país não foi atingido pela crise. Na verdade, nos últimos 40 anos nenhuma das crises do capitalismo ocidental conseguiu atingir a China. Durante todos estes anos a China não conheceu nenhum momento de retrocesso no seu desenvolvimento. 

O capitalismo ocidental está preso na armadilha do capital financeiro improdutivo. Como, no caso do Brasil, manter uma dívida pública de 73% do PIB (dados de 2016) inviabiliza qualquer desenvolvimento. O Congresso Nacional Brasileiro aprovou as receitas e despesas que o governo federal fará em 2020, a chamada Lei Orçamentaria Anual (LOA). O orçamento aprovado prevê receitas de R$ 3,6 trilhões em 2020 e reza a cartilha do mercado financeiro: são R$ 952 bilhões para o refinanciamento da dívida pública e mais 605 bilhões para o serviço da dívida (que engloba o pagamento de juros). Somados, tais gastos chegam a R$ 1,6 trilhões, cerca de 45% do orçamento total (soma dos orçamentos Fiscal e Seguridade Social). Isto significa inviabilizar qualquer programa de investimento para a retomada vigorosa do crescimento econômico.

Os países ocidentais patinam nesta manobra, conforme demonstram os dados em percentagem da dívida pública versus PIB: EUA (106,10%), França (98%), Itália (134%), com uma melhor posição da Alemanha (61%). O modelo capitalista do mundo ocidental está fracassando porque é incapaz de conter transações financeiras potencialmente danosas, que não foram contidas com a crise de 2008/2009. O PT desperdiçou uma grande oportunidade de realizar a auditoria da dívida pública, e renegociar o saldo apurado. E aumentar o percentual dos investimentos produtivos, que é baixo comparativamente a outras economias. Trata-se uma medida, a auditoria da dívida púbica, prevista na Constituição Federal, e que foi recusada pela Presidenta Dilma. Getúlio Vargas realizou a auditoria, o que resultou no cancelamento de 50% no seu valor, que foi decisivo para o grande desenvolvimento ocorrido na Era Vargas. 

O setor bancário chinês – cuja maioria das instituições financeiras pertence ao próprio Estado – financia e protege o desenvolvimento industrial, agrícola e de serviços do país. Com uma preocupação crescente de que estas empresas estatais, sob a vigilância do Estado, sejam lucrativas, e não vivam às custas do Estado e com prejuízos constantes. No rastro da crise financeira ocidental, a comissão reguladora do sistema bancário chinês (China Banking Regulatory Comission – CBRC) tomou medidas importantes no sentido de elevar os padrões regulatórios para a socialização do capital, as taxas para empréstimos e aprimorar as regras relativas à degradação creditícia. 

Ao contrário do que ocorre no Ocidente, as finanças públicas chinesas encontram-se preservadas e saudáveis. No início da década de 2000, os déficits orçamentários dos governos nacionais (governo central + governos locais) estavam em 2,2% e 2,6% do PIB. No período de 2004-2006, essa proporção caiu para 1,1% e 1,3% do PIB. Em 2007, o orçamento apresentava superávit e em 2008, o déficit alcançou apenas 0,4 do PIB.

Quais as características do desenvolvimento Chinês? Em primeiro lugar, o país é comandado pelo Partido Comunista Chinês que aprova planos quinquenais de desenvolvimento. Para que as empresas transnacionais estrangeiras participassem de um dos maiores patrimônios da China – o gigantesco mercado interno –, as empresas tiveram que seguir as regras econômicas: trazer recursos financeiros, realizar parceria com empresas chinesas nacionais, transferir tecnologia e produzir para consumo no mercado interno e para a exportação. Num primeiro momento, a China se transformou no maior produtor e exportador de produtos de baixa qualidade para gradativamente, também passar a ser um dos maiores produtores de produtos de alta qualidade. 

Estas análises utilizam as informações contidas no livro de Ivan Tselichtchev, já citado, que apresenta dados de 2008, mas os dados posteriores e atualizados não alteraram esta correlação de forças, do ponto de vista econômico, entre a China x Ocidente. Em números absolutos, no ano de 2008 a produção da China (valor agregado em dólares norte-americanos correntes) excedeu a dos EUA: US$ 1,87 trilhão e US$ 1,79 trilhão, respectivamente. A produção industrial do Japão (US$ 1,05 trilhão) representou somente a metade da produção chinesa, e a da Alemanha (US$ 568 bilhões) significou pouco mais que um quarto da produção da China (dados fornecidos pelas Nações Unidas, 2010). Conforme o autor, se os atuais diferenciais de crescimento se mantivessem até a segunda metade da década de 2010 a produção chinesa de bens manufaturados seria maior que toda a produção dos EUA e Japão combinadas. Não foi por casualidade que Trump declarou guerra econômica contra a China para num segundo momento, baixar a crista e assinar os acordos com os chineses. 

Em 2008, o gigante asiático já havia alcançado a posição de exportador número um de produtos manufaturados, com uma participação de 12,7% no total mundial. (Os produtos manufaturados representam quase 70% no total das exportações chinesas). 

A despeito de tudo que já foi dito, nem em todos os setores a China é líder tanto em produção quanto em exportação. Na verdade, a gama de produtos em que o país se revela um líder exportador é menos ampla que o conjunto de mercadorias em que a nação se firma como um líder produtor. Isso ocorre porque em muitos setores industriais, os aumentos na produção são absorvidos pelo próprio mercado doméstico chinês, que tem crescido de maneira rápida e constante. Além disso, o crescimento das exportações é sustentado por um crescimento dinâmico nas importações de insumos de produção: materiais intermediários e equipamentos.

Uma grande batalha pelo mercado chinês está começando. Em 2009, a China se tornou não apenas o maior exportador de produtos. O mercado chinês é o receptor número um para quantidades cada vez maiores de bens de capital e bens de consumo. Por exemplo, sua parcela de mercado mundial de fibras ópticas alcançou 50% e de máquinas operatrizes, 30% (Shintaku, 2010). Em 2009, sua participação nas importações mundiais de circuitos integrados (CIs) e componentes eletrônicos chegou a 33% (OMC,2010). O país já é o maior mercado para automóveis e itens de vestuário de marca.

A China tem reservas cambiais superiores a US$ 3 trilhões. Pequim é o maior credor estrangeiro do governo norte-americano. A China detém cerca de 14% dos títulos do Tesouro dos EUA. Independentemente do que se pense a respeito disso, tal situação dá ao governo chinês condições de garantir seus interesses em várias questões econômicas, políticas e até de segurança. Atualmente, o papel da China como credor também está se tornando cada vez mais visível no continente europeu. De fato, essa presença tende a se tornar ainda mais forte à medida que os problemas relacionados às dívidas públicas de um número cada vez maior de países membros da UE se tornarem críticos. 

A segunda implicação desse crescimento diz respeito à capacidade da China para realizar aquisições de empresas/ativos estrangeiros e outros investimentos estratégicos no exterior, adotando uma postura do tipo “comprar, independente do preço”. O fato é que os bancos comerciais (estatais) chineses estão se tornando cada vez mais importantes como financiadores de empresas ocidentais. Em 2009, a China adentrou a lista dos cinco maiores investidores estrangeiros diretos do mundo. Contudo, a escala de seus IEDs representava apenas 1/7 do total norte-americano, 1/3 do da França e 2/3 do total japonês. As aquisições representam cerca de 40% do total dos IEDs chineses. As empresas mais visadas são as de mineração, as fabricantes de equipamentos de alta tecnologia e aquelas que possuem marcas famosas, mas que, em geral, estão enfrentando problemas. Tais compras geralmente são realizadas com o apoio do governo e, em sua maioria, por empresas estatais.

Na campanha ideológica contra o modelo chinês, argumentava-se que a China havia se tornado “o maior poluidor mundial”. Se essa era uma verdade, pelo uso intenso do carvão e de outras tecnologias para a produção de energia defasadas com relação a alguns países ocidentais, nos anos 70 e 80, graças ao planejamento estratégico estatal, esta realidade está mudando radicalmente. A China inaugura este ano, em 2020, a primeira central de energia elétrica por fusão nuclear, conquista tecnológica perseguida e ainda não alcançada por qualquer outro país ocidental. É uma nova era, de produção de energia totalmente limpa e inesgotável.

A China está se tornando um forte concorrente – e até uma nação líder – em uma série de setores “verdes”, que abrangem desde energia limpa, trens de alta velocidade e veículos elétricos. A Lei das Energias Renováveis estabeleceu um sistema de garantia de compra pelo Estado para os produtores de energia renovável, e abriu caminho para a criação do Fundo de Desenvolvimento de Energia Renovável, financiado pelo governo, que subsidia empresas energéticas que adquirem energia sustentável, mas não conseguem cobrir seus custos de compra com a venda da eletricidade produzida (Tsuchiya, 2010). A China já possui uma cidade mantida por energia solar. Trata-se de Rizhoa, na província de Shandong, cuja população é de cerca de 3 milhões de habitantes. Trens de alta velocidade já percorrem quase todo o seu imenso território, utilizam-se de maneira crescente trens urbanos por levitação magnética, ônibus elétricos, toda sorte de tecnologia “verde” é imediatamente replicada e utilizada em larga escala.

O governo chinês tem se utilizado de um modelo inovador para garantir recursos naturais na África, América Latina e Ásia. Em primeiro lugar, diferentemente de outros países, opera na construção de infraestrutura nestes países com apoio financeiro e organizacional. Em segundo lugar, oferece empréstimos para o desenvolvimento amparado em recursos, o que significa que aquele que toma o dinheiro emprestado pagará suas dívidas não em dinheiro, mas em petróleo, grãos e minérios.

A China tem se apressado em dominar as mais avançadas tecnologias mundiais e em se tornar um líder no setor de pesquisa e desenvolvimento (P&D). A guerra tecnológica entre a China e o Ocidente já começou, e a batalha pela introdução da Internet 5G é emblemática. Durante um debate sobre a China, um acadêmico disse de modo absolutamente direto aos japoneses: foram vocês que criaram esse monstro econômico e político. Agora, todos nós teremos que arcar com as consequências. Ele se referia aos passivos dos investimentos japoneses (e ocidentais, de modo geral) na China e também ao abrangente plano oficial de apoio ao desenvolvimento que revelaram como principais pré-requisitos para seu florescimento como superpotência global. 

Mas por que o Ocidente fez isso? É óbvio que sendo dona de enormes reservas de mão-de-obra barata e eficiente, do mercado mais dinâmico do globo, a China oferecia ao mundo oportunidades comerciais únicas. Devido à sua estrutura estatal, o país não teve grandes dificuldades em utilizar o capital, as tecnologias e o expertise ocidentais para se transformar no maior fabricante e exportador mundial de uma ampla gama de produtos baratos e não sofisticados. Passado esse período, a China se tornou autossuficiente, e não pensou duas vezes antes de eliminar de maneira abrupta, em 2007, todos os privilégios das empresas estrangeiras. Dando continuidade ao desenvolvimento de alta tecnologia, desde 2009, o número de centros de P&D independentes e de departamentos de P&D internos estabelecidos na China por empresas estrangeiras era de 1200 – esse total incluía centros inaugurados por mais de 400 empresas listadas na Fortune em todo o mundo. Em geral, os centros de pesquisa de companhias estrangeiras se concentram nos setores eletrônicos (incluindo software), telecomunicações, biotecnologia e farmacêutica, produtos químicos e automotivos. A China tem criado centros de P&D em parceria com o Japão, Rússia e a Índia, como é a Sanofi-Avenfis. 

 A China já não é mais uma fábrica mundial de produtos baratos e não sofisticados. Atualmente, o país já se estabeleceu não somente como um centro global de alta tecnologia, mas como um laboratório de pesquisas de nível mundial. Isto criou oportunidades únicas no sentido de combinar custos competitivos, tecnologias avançadas e produtos de alta qualidade.

A Lei de Patentes chinesa permite que companhias locais obtenham, de maneira rápida patentes já autorizadas do tipo junk patent (sem a devida avaliação criteriosa).

Por sua vez, a Lei Antimonopólio pode ser usada contra empresas estrangeiras que se recusam a divulgar suas tecnologias e seus conhecimentos (know-how). A mensagem do Governo chinês é clara: “É melhor produzir na China que simplesmente exportar para a China e é melhor inovar na China (e compartilhar suas tecnologias) que em seu próprio país ou em qualquer outro lugar e a menos que sua empresa inove e produza dentro da China, não lhe será permitido vender para o Governo Chinês”.

Comparativamente ao modelo chinês, podemos dizer que o Brasil detinha uma base estrutural que lhe permitiria dar um salto no seu desenvolvimento se não tivesse sido interrompido pelos golpes de direita e governos neoliberais. Poderíamos listar uma gama de empresas estatais globais e com alto desenvolvimento tecnológico, que poderiam cumprir esta função, como as empresas chinesas atuais, a exemplo das empresas estatais como a Petrobrás, a Embraer, a CVRD, a Telebras, a Embrapa, a Cobra, a Eletronuclear, CSN, Telebras, BNDES, BB, CEF, Universidades, Institutos Federais, Laboratórios Farmacêuticos como Bio-Manquinhos, Ezequiel Dias, Instituto Vital Brasil, Hemobrás, e setores privados como automobilístico, de construção civil, produção de manufaturas e bens de capital. Para que tudo isso fosse potencializado, era necessário acabar com a mazela da dívida pública imposta pela ditadura financeira, com os juros altos; os subsídios às empresas privadas deveriam estar condicionados ao desenvolvimento nacional da economia; principalmente, ter dado continuidade à política econômica e social da Era Vargas com apoio popular.

Dentro do conceito de soberania nacional, caberia aos Governos do PT ter reestatizado a Companhia Vale do Rio Doce e ter recomprado as ações do Petrobrás negociadas na bolsa de Nova York, e ter defendido sem contemplações as empresas estatais. É bem verdade que defendeu-se a Petrobrás, sobretudo a conquista do pré-sal, reconstruiu-se a indústria naval e tomaram-se outras iniciativas para  a defesa da indústria nacional, mas frente à dimensão do embate pela soberania nacional, foram medidas insuficientes, parciais. Não havia, por exemplo, nenhuma justificativa a para ter-se privatizado o resseguro do país, ou ter deixado o setor do álcool e dos insumos agrícolas nas mãos das multinacionais, entre tantos exemplos.

Em 2003, um dos maiores trunfos na área energética no Brasil era nacional – o setor sucro-energético, produtor de etanol, e no entanto, em 2010 estava praticamente desnacionalizado, vendido às empresas como ADM, Cargill, Bunge, BP, Shell. Setor que nos possibilitaria realizar grandes negociações com países como China e Japão em troca de parcerias comerciais que fortalecessem a nossa industrialização e a economia nacional. 

Durante o governo Lula, houve uma batalha memorável pela criação da Empresa Brasileira de Agroenergia – EBA para estabelecer negócios em energia renovável com o mundo, em especial com a oferta do etanol, batalha esta liderada por importantes setores da esquerda, os posadistas, os nacionalistas como o idealizador do pró-alcool, o saudoso Prof. Bautista Vidal, setores progressistas ligados à produção agrícola, aos movimentos sociais, com envolvimento particular do autor deste trabalho. Infelizmente, a proposta não foi implementada. Prevaleceu a desnacionalização.

A conclusão é que o PT e as esquerdas têm uma tarefa gigantesca pela frente. Não se trata apenas de retomar ao governo central – o por si já tarefa complicada diante da derrota com a derrubada da ex-presidenta Dilma e a prisão do ex-presidente Lula, por hora solto e sob ameaça constante de novas arbitrariedades.

Caso a esquerda volte ao governo, ter que assumir um programa de mudanças estruturais no país. Isso não significa deixarmos de recolher as conquistas do governo Lula, os 20 milhões de empregos criados, o bolsa família, o luz para todos, o programa de aquisição de alimentos (PAA) o qual tive a grata satisfação de gerenciar durante 7 anos, a valorização do salário mínimo, o pré-sal, o fortalecimento da Petrobrás, a transposição do rio São Francisco e inúmeros feitos durante o governo Lula. 

Mas também não podemos deixar de constatar que surfarmos no momento de crescimento da economia mundial e obtivemos ganhos com os preços das commodites que possibilitaram sustentar um programa de inclusão social sem que houvesse uma política de barrar a desindustrialização do país, entre outros motivos, devido a uma taxa cambial valorizada equivocadamente. Diferente da política chinesa de desvalorização do yuan, motivo de uma ferrenha guerra com os EUA e o mundo.

Não se teve a sabedoria política de reconhecer a importância das posições e propostas de Leonel Brizola para reafirmar uma política nacionalista revolucionária nas eleições de 1989. O PT nasceu como partido operário baseado nos sindicatos, e menosprezou a tradição nacionalista. Na raiz disso, herdou-se o eterno combate do PCB e da esquerda contra Getúlio Vargas, a tradição de condená-lo como fascista, ignorando seus feitos para o desenvolvimento nacional, estigma esse que permaneceu em toda a história do desenvolvimento de quadros e da formação política do PT. 

Fundamentos estes que tiveram consequências na formulação de estratégias e táticas políticas do PT. Como também não houve a sabedoria de criar uma corrente nacionalista revolucionária dentro da Forças Armadas, tendo como fio condutor o programa estatizante de um setor do exército. De forma alguma, pode-se apagar da história o que significou a ditadura militar, a supressão dos direitos políticos e individuais, os exilados, as torturas, os assassinatos e desaparecidos. Entretanto, restará sempre a pergunta se é possível realizar uma mudança estrutural no país sem formar uma corrente dentro das Forças Armadas para a defesa de um programa nacionalista revolucionário. Impõe-se esta tarefa para o PT e os partidos de esquerda. O fio condutor da história vai mostrando nossas vitórias e nossas derrotas, mas é preciso aprender das mesmas.

Agora, estamos diante de uma nova conjuntura política e econômica como descrito acima e uma definição de como interagir com a China e países asiáticos dos tempos atuais. Pode ser uma relação que simplesmente favoreça a balança de pagamento, com exportação de carne, soja, frango, minério, ou uma relação que possibilite a retomada do desenvolvimento industrial, a incorporação de tecnologia para produção e exportação de manufaturas e bens de capital. Vai depender da nossa capacidade de mobilizar setores fundamentais da sociedade e o povo em defesa de um programa, não só de inclusão social, mas de mudanças estruturais, e sobretudo, uma política forte de soberania nacional. É necessário preparar uma direção de esquerda para o futuro, sem deixar de cumprir com a organização das lutas cotidianas e a resistência contra o regime ditatorial neoliberal.

A China de certa forma já cumpriu esta etapa de sua história, com a revolução de 1949. Mas nem tudo são flores, pois desafios se apresentam em suas estruturas. Uma delas é o crescimento da desigualdades salariais, situação contornada até agora, pois famílias de baixa renda estão, em sua maioria, elevando seus rendimentos e seus padrões de consumo; redes sociais de segurança estão sendo aprimoradas e, de modo geral, a China tem oferecido às pessoas que realmente desejam se tornar bem-sucedidas muitas oportunidade para que elas aumentem suas rendas e vivam uma vida melhor. Entretanto, ainda existem áreas rurais com populações com baixa renda, uma discrepância em relação ao consumo de artigos de luxo nos centros urbanos e necessidades básicas de setores da sociedade. Seguramente, a história irá cobrar uma correção nestas diferenças de nível de vida. 

A questão da corrupção também é um problema na China, motivo de debate público no último Congresso do PCCh. Lá o combate a corrupção se faz em favor da sociedade chinesa, identificados vão para a cadeia e em alguns casos, condenados à morte. No caso do Brasil, o combate a corrupção se fez contra a nação brasileira, contra as empresas estatais como a Petrobrás, contra a indústria de construção civil, contra a economia nacional, ou para fins políticos, como foi a trama indecentes para o boicote à candidatura de Lula para a Presidência da República. O PT perdeu uma grande oportunidade de fazer este combate durante o seu governo. O fez construindo os instrumentos legais, mas não foi o suficientemente rigoroso em identificar a corrupção que existia por dentro do seu governo e puni-la exemplarmente. Estes instrumentos posteriormente, foram utilizados para condenar as direções do PT sob o comando o Juiz Moro.

Mas nem tudo está perdido. Não estará perdido se realmente soubermos construir um movimento nacionalista revolucionário de massas. Como ficou demonstrado pela experiência chinesa, não é possível alcançar um verdadeiro desenvolvimento se não se rompe com travas impostas pelo capitalismo que vive em função do capital financeiro improdutivo, de crises em ativos especulativos, de golpes contra qualquer governo que minimamente mexa na taxa de exploração, pois com as estruturas impostas pelo imperialismo anglo americano será difícil alcançar um desenvolvimento sustentável. Não se pode dizer que o mundo capitalista está em estado terminal, mas sim afirmar que o capitalismo fundamenta-se em estruturas insustentáveis. Praticamente, todos os países capitalistas ocidentais estão passando por uma profunda crise estrutural. Soberania se faz com controle das matérias primas, da energia, da tecnologia, das finanças, da mídia e de um povo em constante ascensão aos direitos sociais e trabalhistas, e acima de tudo, politizado e organizado para defender seus direitos e a nação. 

O início do processo de mudanças na China veio no mesmo momento em que a direção praticava uma política reacionária em apoio ao governo de direita como Pinochet no Chile e invadia o Vietnã revolucionário. Entretanto, há mudanças significativas na atual direção, com a unificação estratégica militar e econômica com a URSS e o Irã. Apoio à direção nacionalista revolucionária da Síria, estabelecendo bases junto ao governo da Venezuela, apoio a Cuba, e votado no Conselho de Segurança da ONU contra todas as políticas imperialistas dos EUA. 

O objetivo é demonstrar com esta reflexão é que não basta um governo democrático e popular desenvolver políticas sociais e trabalhistas para o povo, é preciso romper com as mazelas do capitalismo para que o programa desenvolvimentista possa ter uma base de sustentação ao longo de sua história. Aprendemos que com o imperialismo não se pode ser ingênuo, pois as forças reacionárias estarão sempre de prontidão para golpear. É preciso tirar ensinamentos da nossa e das outras histórias da humanidade. É preciso acreditar na força do povo organizado, a exemplo da Venezuela que está de armas em punho para defender a revolução bolivariana. E tirar lições da experiência da China de como uma nação pode se desenvolver com soberania e justiça social, mas que as alavancas fundamentais da economia e das finanças devem estar ferreamente sob o controle estatal e nacional.

Belo Horizonte, 03 de Janeiro de 2020

Eduardo Dumonts

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